“Estou na autoestrada de Quawaifa e vou tentar cruzar a fronteira saudita”, dizia num vídeo a ativista Loujain al-Hathloul, que levava consigo a sua carta de condução, tirada nos Emirados Árabes Unidos. Seria uma episódio perfeitamente normal, se na altura a Arábia Saudita não fosse o único país no planeta em que as mulheres estavam proibidas de conduzir. O ano era 2014, e o ato de desobediência civil custou à ativista 73 dias de prisão. Foi a primeira de várias detenções de al-Hathloul, que neste momento está numa prisão saudita, juntamente com outras ativistas, que contaram ter sido torturadas e ameaçadas de violação.
O ex-marido de al-Hathloul, o comediante Fahad Albutairi – em tempos apelidado como o “Jerry Seinfeld da Arábia Saudita” – também foi detido, e o seu paradeiro continua desconhecido. O crime? Exigir direitos para as mulheres sauditas – que o Governo do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, acabaria por conceder, esta sexta-feira (texto principal).
“Loujain passou o seu trigésimo aniversário atrás das grades. O que sabemos das acusações – e é aqui que está a ironia da questão – é que incluem ter exigido estas reformas”, explicou Lynn Maalouf, analista para questões sauditas da Amnistia internacional.
“É quase esquizofrénico”, notou Adam Coogle, investigador da Human Rights Watch para o Médio Oriente, que vê um motivo óbvio para as ativistas continuarem presas: “Envia à população a mensagem que, sejam quais forem as mudanças, são devidas apenas à benevolência da Coroa. Nem pensem em sair à rua e protestar para obter direitos. Se o fizerem, é isto que vai acontecer”.
No início do ano, em entrevista à France24, Walid al-Hathloul partilhou relatos do cativeiro da sua irmã, obtidos a partir das visitas dos seus pais à prisão. “Quando eu falo em tortura, eles estão a divertir-se, estão a rir-se dela. Amarram-lhe os braços e as pernas e eletrocutam-na”, contou Walid, visivelmente emocionada, mencionando que a irmã também terá sido vitíma de abusos sexuais. “Estão sempre obcecados com sexo”, acrescentando: “Seria de esperar que estivessem a torturá-la para obter informação. Mas isso foi só no primeiro dia”.
Entretanto, a maioria das ativistas detidas foram postas em liberdade condicional, sob vigilância constante. Mas o julgamento de Loujain continua, através de audiências conduzidas em segredo. “Inicialmente os sauditas acusaram as mulheres de estarem em contacto com secretas estrangeiras de países hostis, claro. Mas, pelo que sabemos, nem sequer as acusaram formalmente disso”, afirmou Coogle.
Segundo al-Hathloul contou à família, o caso envolve as mais altas esferas do poder saudita. Aliás, o abuso da ativista terá sido supervisionado por um conselheiro próximo de Bin Salman, Saif Saad al-Qahtani – um dos suspeitos do homicídio e desmembramento do jornalista Jamal Khashoggi, no consulado saudita em Istambul. “Ele [Qahtani] disse a Loujain: ‘Da próxima vou matar-te, cortar-te aos pedaços e deitar-te no esgoto. Ninguém vai saber de ti. Antes disso, não te esqueças que te vou violar’”, contou a irmã da ativista.