Quando um membro de um movimento supremacista branco atropelou uma multidão de pessoas que marchava contra a extrema-direita, em Charlottesville, Virgínia, muitos indignaram-se com as declarações do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que disse haver «pessoas más em ambos os lados». No rescaldo dos dois massacres do fim de semana passado, Trump foi mais assertivo e condenou «o racismo, a intolerância e a supremacia branca» e apelou ao combate contra o terrorismo doméstico. Mas as estatísticas apontam para o aumento dos crimes de ódio desde que se candidatou às primárias republicanas.
O suspeito de ter realizado o massacre de Dayton, Ohio, disparou indiscriminadamente com uma arma automática num bar, matando nove pessoas, entre os quais, a sua irmã e dois colegas de trabalho. Através de uma análise dos seus perfis nas redes sociais, percebeu-se que Connor Beths tinha ideias progressistas e que apoiava Elizabeth Warren, candidata do Partido Democrata nas primárias.
O caso do atirador de El Paso foi diferente. Segundo as autoridades, Patrick Crusius percorreu 11 horas na estrada para chegar à cidade. Matou 22 pessoas num supermercado do Walmart, a vasta maioria das quais hispânicas. Poucos minutos antes de começar a disparar, publicou um manifesto anti-migração com 2300 palavras, inspirado no ataque de Christchurch, na Nova Zelândia, onde mencionava a «invasão hispânica do Texas».
«Alguns conservadores estão furiosos por acharem que os media liberais estão a ignorar a ideologia progressista de um dos atiradores, enquanto estão obcecados pela ideologia de extrema-direita do outro», frisou Bret Stephens, jornalista conhecido pelas suas posições neoconservadoras, na sua coluna de opinião no New York Times, acrescentando: «Desculpem, mas a comparação não pega. É idiota. As vítimas de Dayton não se enquadram num perfil político ou étnico».
Trump lançou a sua candidatura presidencial no dia 16 de junho de 2015. Não é possível fazer uma correlação direta entre o discurso do Presidente e este tipo de tiroteios, que são cada vez mais comuns nos EUA. Até porque não existe uma definição universal para este tipo de crimes, sendo a mais comum o assassínio de 3 pessoas ou mais. Mas desde essa altura, ocorreram 13 tiroteios (incluindo o de El Paso), de Oregon à Florida, ligados à ideologia de supremacia branca, segundo dados do FBI e do Global Terrorism Database, analisados pelo New York Times.
Entre várias categorias, o FBI define crimes de ódio como aqueles que são motivados por preconceitos com base na raça, religião ou orientação sexual. Uma análise mais cuidada da informação recolhida pelo FBI, realizada pelo Center for the Study of Hate and Extremism, da California State University, demonstra dois momentos que podem ter potenciado um maior número de crimes de ódio (no espaço de um mês) no país durante a última década.
O primeiro em novembro de 2016, quando Trump e Hillary Clinton foram a votos – nesse mesmo mês foram reportados 758 incidentes ligados a crimes de ódio. O segundo, o ataque de Charlottesville, em agosto de 2017, mês em que ocorreram 663 incidentes da mesma natureza. Segundo a Anti Defamation League, os supremacistas brancos cometeram pelo menos 73 homicídios desde essa altura, 39 dos quais motivados pela sua ideologia racista.
De 2015 a 2017, os incidentes ligados a crimes de ódio cresceram 22% nos EUA. Entre junho de 2016 e novembro de 2017, Trump discursou em 300 comícios, em diferentes condados norte-americanos. Uma investigação feita pela Universidade do Texas alega que os incidentes motivados pelo ódio aumentaram 226% nas áreas onde Trump realizou os comícios. «Quanto importa o que um líder político diz aos seus eventuais apoiantes? Baseado nesta análise, a resposta simples: importa muito», concluíram os académicos.
Se a política de Trump está a legitimar a violência racista, seja nos discursos que criam divisões étnicas, ou na política contra a migração, as redes sociais ajudam a disseminar essa mensagem. Só em 2018, Trump lançou 2200 anúncios no Facebook que mencionavam a «invasão» de migrantes na fronteira sul dos EUA – a mesma expressão que foi utilizada por Crusius, o atirador de El Paso, no manifesto.