Argentina. Fernández derrota Macri nas primárias e o FMI não está satisfeito

Alberto Fernández quer renegociar de novo a dívida argentina. O Presidente Macri tenta dar a volta, apesar do peso das suas impopulares medidas de austeridade.

O Presidente da Argentina, Mauricio Macri, começou esta campanha presidencial sob o peso do programa austeritário que impôs ao seu país. Acabou a ser batido em toda a linha nas primárias deste domingo, ficando o seu Cambiemos com apenas 32,31% dos votos, face aos 47,35% da Frente de Todos, do peronista Alberto Fernández. Isto apesar da vice de Fernández, a ex-Presidente Cristina Kirchner, enfrentar acusações de corrupção na justiça – que a arguida diz serem politicamente motivadas.

No que toca ao fenómeno Kirchner, na Argentina não há meio termo: ou se odeia ou se adora. Fernández capitalizou tanto o apoio da ex-Presidente como o descontentamento quanto à política económica de Macri. O Presidente reconheceu: “Tivemos uma má eleição e isso obriga-nos a redobrar os esforços para prosseguir com a mudança”.

Contudo, muitos argentinos mostraram não gostar das mudanças do seu país, que registou um índice de pobreza de 32%, este ano, segundo o Indec – mais de seis pontos percentuais acima do registado no ano anterior. Além disso, a moeda argentina, o peso, sofreu uma inflação de 22% no primeiro semestre do ano – uma das mais elevadas do mundo. Macri ficou marcado como o candidato do Fundo Monetário Internacional (FMI) – talvez a instituição mais odiada do país -, por ter aceite um resgate de 56 mil milhões de dólares (quase 50 mil milhões de euros), a troco da imposição de políticas de austeridade.

 

Renegociação? Durante a campanha, Macri argumentou que dívida externa argentina é herança de anos de má governação e corrupção do Partido Justicialista de Kirchner. Fernández respondeu num anúncio eleitoral, onde se vê um contador a subir até aos 196 mil milhões de dólares (quase 175 mil milhões de euros). “Assim cresceu a nossa dívida desde que ele [Macri] é Presidente”, disse o candidato, prometendo: “Vou sentar-me a renegociar com firmeza, como fizemos em 2003”.

Fernández referia-se ao acordo firmado em 2003 entre o FMI e o Governo de Nestor Kirchner, o falecido marido de Cristina, após a suspensão unilateral dos pagamentos, no rescaldo da crise financeira de 2001. O parcelamento dos pagamentos argentinos é creditado com a recuperação económica do país – que teve um crescimento anual de entre 7 a 9% até 2005.

Contudo, o porta-voz do FMI, Gerry Rice, já assegurou que “não há discussão a respeito da possibilidade de mudar o modelo de pagamento”. Ainda assim, Rice prometeu que o fundo será “flexível”, não descartando reunir-se com Fernández. O representante do FMI salientou que “a Argentina fez progressos importantes na transição para uma economia mais aberta e resiliente” – referindo-se às políticas de austeridade de Macri.

 

Remontada de macri? Parece improvável que o Presidente consiga dar a volta ao resultado. Mais de 33 milhões de argentinos foram chamados a ir às primárias – onde o voto é obrigatório – e cerca de 75% compareceram. O objetivo das primárias é diminuir o número de candidatos, que precisam de ter pelo menos 1,5% dos votos para se candidatar à primeira volta das presidenciais, marcadas para 27 de outubro.

Num cenário de polarização, nem Macri nem Fernández enfrentaram oposição interna nos respetivos partidos – deixando os restantes candidatos sem grandes hipóteses. Em terceiro lugar ficou o centrista Roberto Lavagna, que conseguiu pouco mais de 8% dos votos, enquanto os restantes candidatos não passaram dos 3%.

Os analistas apontam que nem os mercados financeiros nem o FMI estão satisfeitos com a ideia de uma vitória de Fernández. O caminho que parece sobrar a Macri é suspender temporariamente as suas políticas, para ganhar apoio até 27 de outubro.

“Uma abertura completa dos cordões à bolsa é possível. O FMI provavelmente faria vista grossa a isso, dado que é do seu interesse a reeleição do Presidente Macri”, afirmou à BBC Edward Glossop, economista da Capital Economics e especializado na América Latina. Que acrescenta: “Duvido que esses esforços sejam suficientes para mudar a perceção dos eleitores”.

 

Tempestade no Twitter Na semana antes das primárias, comentários pró-Macri inundaram o Twitter, com mensagens muitas vezes incoerentes ou mal traduzidas do inglês, provenientes de contas identificadas como bots – ou contas falsas. O hashtag #YoVotoMM – de Maurício Macri – tornou-se por momentos um dos mais populares do mundo.

“Alguém contratado para inflacionar o hashtag criou contas automatizadas e configurou-as mal”, explicou à Perfil Fabio Baccaglioni, especialista em redes sociais. Os apoiantes do Presidente culparam os seus adversários, enquanto um dirigente da campanha peronista dizia ao Noticias: “Não temos nada a dizer. É problema deles”.