O Paulo fotografou esta frase em Torres Novas, e diz: «Coração bloqueado. Beijar para desbloquear». Trata-se de uma expressão bem-humorada, que reformula uma frase que todos conhecemos, e que costumamos encontrar em ecrãs bloqueados e nos quais temos de tocar para serem desbloqueados. Ora, na frase escrita na parede, trata-se de um coração que está bloqueado e que é necessário beijar para desbloquear.
Há situações em que, efetivamente, sentimos o coração bloqueado, em que não estamos disponíveis para amar, seja porque já sofremos algum desgosto ou apenas porque não estamos recetivos a que outra pessoa entre na nossa vida e partilhe os nossos segredos recônditos. Acalentamos, no entanto, a esperança de ser «salvos» por um coração disponível, com o qual possamos vir a partilhar momentos agradáveis. Esperamos um príncipe encantado ou uma princesa encantada, que nos beije e nos devolva à vida, adormecidos que estamos no marasmo do dia a dia, nos sentimentos que deixámos suspensos em algum ponto do nosso percurso. Quase parece uma contradição: não estamos disponíveis, mas, simultaneamente, temos a secreta vontade de ser encontrados e tocados pela seta do Cupido. É «Este o nosso destino», nas palavras de Drummond de Andrade: «amor sem conta, / distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas, /doação ilimitada a uma completa ingratidão, / e na concha vazia do amor a procura medrosa, / paciente, de mais e mais amor».
Aguardar por um beijo que desbloqueie o coração é aguardar por alguém que o faça continuar a bater ou que o faça bater com mais força, que dê novo alento à esperança que temos de ser felizes e de viver plenamente a vida.
Não é possível viver sem amor. Podemos sobreviver, mas não vivemos plenamente, porque é o amor que torna a vida completa. É esse sentimento aglutinador que dá sentido à vida, que faz de nós seres humanos plenos.
Como diz Manuel Vilas, no seu livro Em Tudo Havia Beleza, «A estima dos outros [eu diria o amor dos outros] acaba por ser a única cédula da nossa existência». Ele di-lo no sentido em que, depois de morrermos, apenas existimos na memória daqueles que nos recordam e gostaram de nós. Mas até esse exemplo revela a importância que tem o amor na nossa existência – perdura para além do espaço e do tempo.
Tolentino Mendonça cita Jacques Lacan para falar do amor: «O amor é dar ao outro aquilo que não se tem». E acrescenta: «Dar aquilo que não se tem significa dizer ao outro, de uma maneira clara, confiada e extrema, a falta que a sua vida abre em nós. Significa assinalar o seu lugar único e insubstituível escavado no que há de mais profundo no nosso ser». Esta é uma forma belíssima de ver o amor, valorizando o outro naquilo que é e naquilo que provoca em nós. Amar alguém é, pois, dar-lhe um lugar único na nossa vida, no «mais profundo do nosso ser». E se pensarmos no amor de um pai ou de uma mãe por um filho talvez seja esta a forma mais óbvia de nos apercebermos de que realmente o amor nos faz dar ao outro «aquilo que não se tem». Porque o amor é um sentimento muito profundo, muito verdadeiro, ao contrário de outras sensações que, por vezes, sentimos, e que não passam de falsas emoções.