Gianfranco Pasquino: “Por causa da sua arrogância, Salvini cometeu um enorme erro”

O SOL falou sobre a crise política italiana com Gianfranco Pasquino, Professor de Ciência Política e autor de Sistemas Políticos Comparados.

O primeiro-ministro de Itália, Antonio Conte, do Movimento 5 Estrelas (M5S), demitiu-se esta terça-feira acusando o seu parceiro de Governo, o vice-primeiro-ministro e líder da extrema-direita, de «oportunismo» político. Ao lado de Salvini, e antecipando a moção de desconfiança lançada pelo vice-primeiro-ministro para derrubar o seu próprio parceiro de Governo, Conte fez um discurso muito duro contra o líder da Liga, qualificando-o de «irresponsável» e de estar com fome de poder desde o excelente resultado nas eleições europeias. O Movimento 5 Estrelas foi rápido a entrar em negociações com o Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, para impedir que haja eleições antecipadas e um eventual Governo de extrema-direita. Por momentos, muitos temeram que os nacionalistas da Liga tomassem as rédeas do poder em Roma. No entanto, para Gianfranco Pasquino, Professor Emérito da Universidade de Bolonha, com obras traduzidas em Portugal, é improvável que tal aconteça, pelo menos por agora. E defende que uma coligação entre o M5S e o PD poderá enfraquecer Salvini.

 

Qual é a probabilidade de haver um Governo de unidade nacional entre o M5S e o PD?

Um Governo entre o M5S e o PD não é de ‘unidade nacional’. É apenas uma coligação mínima. Neste momento, tem cerca de 65% de probabilidades de se constituir. O M5S precisa de tempo para recuperar os votos perdidos. E o PD precisa que algumas das suas propostas se tornem lei e que sejam positivamente consequentes.

Matteo Salvini tem hipótese de se tornar primeiro-ministro caso haja eleições antecipadas?

É improvável que ocorram eleições antecipadas. Em todo o caso, tem que se formar um novo Governo. Por causa da sua arrogância política e ignorância institucional (está nas mãos do Presidente da República dissolver, ou não, o Parlamento), Salvini cometeu um grande erro. Ainda assim, se houver uma coligação com o centro-direita, ele pode perfeitamente tornar-se primeiro-ministro: 25% de probabilidade. Mas vejo muitos obstáculos à sua frente.

Um Governo entre o PD e o M5S potencia a probabilidade de Salvini se tornar primeiro-ministro num futuro próximo? Ou daqui a três anos, quando acabar a legislatura?

Não. Se um Governo do M5S e do PD for capaz de durar os próximos três anos e governar um país complexo e rebelde, ‘resolvendo’ o problema muito difícil da migração, relançando a economia e readquirindo o seu papel na União Europeia – tarefas muito difíceis -, os votos e a popularidade de Salvini serão consideravelmente reduzidos.

O M5S foi muito crítico do PD no passado. Qual será o custo político para um e outro caso se coliguem?

Ambos terão que convencer os seus eleitores que decidiramcoligar-se para dar a Itália um Governo decente para escapar aos populismos e soberanismos exagerados, que caracterizam a política e estilo autoritário de Salvini. Se o M5S e o PD aprenderam alguma coisa, isto é, que colaborar é difícil, terão que entender que estamos num momento muito delicado, que a sua colaboração é essencial e terá que durar. Se o fizerem, terão sucesso.

Qual é a posição da Força Itália [de Silvio Berlusconi] nisto tudo?

A Força Itália é um partido minoritário com um líder velho e obsoleto, cheio de contradições. Afirma-se liberal e democrático, mas quer participar numa coligação onde nem a Liga, nem os Irmãos de Itália (partido nacionalista e eurocético) são liberais – e ambos nutrem tendências autoritárias. No plano europeu, a Força Itália votou em Ursula von der Leyen e está numa coligação com Partido Popular Europeu, enquanto tanto Salvini como [Giorgia] Meloni – líder dos Irmãos Itália – estão, no mínimo, posicionados no campo oposto com aqueles que querem, a qualquer custo, reconqustar a sua soberania nacional. A Força Itália já não é um protagonista na política italiana. É apenas um ator secundário.

Como é que a coligação entre o M5S e a Liga aconteceu?

A coligação era possível. Tornou-se politicamente necessária quando [Matteo] Renzi, ex-primeiro-ministro, atirou prematuramente o seu partido [PD] para uma oposição estéril. No início, o M5S e a Liga partilhavam, acima de tudo, um sentimento anti-establishment e anti-europeu. Então, escreveram um ‘contrato’ com as suas prioridade programáticas e concordaram em vários pontos. Formularam e conseguiram passar políticas sociais significativas, nas pensões, segurança e rendimento cidadão. Para clarificar, eu discordo profundamente destas políticas: não contribuem, de todo, para o crescimento económico. O M5S pensava que ia conseguir controlar a dinâmica do Governo. Mas Salvini mostrou ser muito mais um líder do que [Luigi] Di Maio, líder do M5S, e quis dirigir as dinâmicas governamentais. Depois do seu extraordinário sucesso nas eleições europeias, Salvini puxou a corda com muita força, acabando por a romper. Até certo ponto, a situação ainda está fluida.