O Reino Unido anda às ‘cambalhotas’ por causa da decisão de Boris Johnson de suspender o Parlamento, aprovada pela Rainha Isabel II, de forma a impedir que a oposição bloqueie um hard Brexit. Mas da manobra do primeiro-ministro brotou um debate sobre a constitucionalidade de tal medida, apesar de o Reino Unido não ter uma constituição escrita.
«Uma afronta constitucional», acusou o speaker da Câmara dos Comuns, John Bercow, em reação à decisão do chefe de Governo na quarta-feira. Do lado do Governo, Jacob Rees-Mogg, líder da Câmara dos Comuns e um proponente de uma saída não acordada da União Europeia, defendeu a decisão, pois, na sua aceção, o dever do Parlamento e do Governo é «seguir a vontade da nação».
«O debate sobre a constitucionalidade é fascinante e importante. Mas também é absurdo porque não temos uma constituição escrita», defendeu Adam Wagner na revista britânica New Statesman. «Em vez disso temos uma mistura de regras processuais, costumes antigos, convenções, normas e o obscuro poder não-poder da Rainha. Temos princípios imaginários», completou o advogado, num artigo em que defendia que o Brexit mostrou como é perigoso viver num país sem constituição.
A prorrogação da atividade parlamentar, embora controversa, é constitucional e está dentro dos limites legais do aparato jurídico do país anglo-saxónico. «O Reino Unido tem uma ‘constituição política’, ao invés de um único texto constitucional escrito», explica o professor de lei constitucional da Universidade de Liverpool, Michael Gordon, num texto para o The Conversation. Gordon explica que a suspensão está dentro da lei e foi «executada pela Rainha de acordo com as convenções políticas que governam a sua conduta».
A Rainha detém o poder legal para suspender o Parlamento, mas age de acordo com as recomendações do primeiro-ministro, por isso Gordon frisa que «não seria realista esperar, num sistema democrático, que um monarca não eleito tome o papel de ‘guardião da democracia’»
Ao invés, a constitucionalidade no Reino Unido é analisada através de três princípios: compatibilidade com a lei, convenção política e princípio constitucional. O terceiro, não tendo os britânicos um único documento constitucional como a maioria dos países é baseado na relação entre o Governo e o Parlamento: especialmente a Câmara dos Comuns – a câmara baixa. A Câmara dos Comuns é o elemento central das instituições britânicas e é daí que advém a autoridade do Executivo – e tendo em conta que Johnson não foi eleito primeiro-ministro, a câmara baixa torna-se ainda mais fulcral.
«O Governo pode desenvolver o pretexto para justificar a prorrogação do Parlamento. Seguiu, muito provavelmente, um curso de ação legal. Mas ao fazê-lo, mostrou desdém pela ideia central de democracia na qual a constituição britânica se baseia», defendeu o professor de direito constitucional, recordando que será muito difícil, ou quase impossível que os tribunais desafiem a decisão de Johnson.