Alguns adultos parecem ter um interesse excessivo pelo cansaço das crianças. É vulgar estarmos numa festa com vários miúdos a correr, a saltar e a mexerem-se irrequietamente e alguém dizer: ‘Esta noite é que eles vão dormir bem’. Outras vezes, quando alguém vê uma criança irrequieta ou que não dorme bem sugere: ‘leva-a a correr, cansa-a bem que depois cai na cama como uma pedra’. Há também pais que depois da escola levam os filhos à natação, ao judo, ao ballet, ao karaté, ao futebol, para que no fim do dia estejam bem cansados para darem uma noite tranquila de sono.
Como já contei aqui há uns meses, uma vez, quando me indignei por na sala dos quatro anos as crianças já não dormirem a sesta, a educadora do meu filho disse-me: ‘Assim é ótimo porque ele sai da escola tão cansado que chega a casa, janta e vai dormir’. Mas eu não queria que ele jantasse e fosse dormir. Queria aproveitar o tempo que ainda tínhamos para estarmos juntos. E que fosse um tempo de qualidade, em que ele ainda tivesse todas as capacidades para conseguir brincar e gozar o fim do dia com entusiasmo.
Não digo que não seja ótimo as crianças brincarem, correrem e terem atividades depois da escola – caso gostem e se não ocuparem todo o seu tempo livre – e naturalmente crianças inativas terão menos sono e provavelmente serão menos felizes. Mas não acho que deva haver uma associação direta do cansaço ao sono e de pôr quase a criança a correr à volta de um campo para cair redonda ao final do dia. Até porque muitas vezes o cansaço tem precisamente o efeito contrário: uma noite em branco por excesso de estímulo.
Parece que há um fantasma já antigo das noites mal dormidas, das crianças que não adormecem sozinhas, das que acordam várias vezes durante a noite a pedir um copo de água, um pedacinho de pão, a chucha, leite quentinho ou o que mais vier à imaginação. Mas não é o cansaço que impede que isto aconteça e que os pais durmam que nem anjos, mas algo elementar: segurança e bons hábitos de sono. Quando a criança acorda muitas vezes durante a noite, quando pede várias coisas quando se deita, quando parece ter medo de se entregar ao sono, devemos tentar perceber o que se passa e encontrar uma solução, que não passará por cansar demasiado ou tirar a sesta se ainda não for altura. Pode por exemplo estar preocupada ou sentir-se insegura. Acima de tudo as crianças devem sentir que têm um lugar insubstituível dentro dos pais, devem conseguir levá-los consigo para a cama em pensamento para que não adormeçam sozinhas, mas também não necessitem destes ao seu lado para adormecerem, nem para voltarem a dormir caso acordem a meio da noite. Podem levar um boneco que poderá ser a sua companhia à noite que, sem se aperceberem, acaba por substituir os pais e lhes permite dormir em segurança. Precisam de regras, rotinas e limites. E não quero com isto dizer que devemos abandonar as crianças ao choro até adormecerem. Digo, pelo contrário, que estas nunca se deverão sentir abandonadas, de forma a poderem adormecer tranquilamente porque sabem que, quando acordarem, os pais estarão de braços e coração aberto à sua espera. E se a noite for longa e bem dormida então, terão com certeza um carinho extra para os mais pequenos.