Tribunal escocês complica as contas a Johnson

Após recurso, a apreciação do Court of Session contrariou a primeira decisão do mesmo tribunal. Cenário jurídico pode mudar no Reino Unido.

O mote do Brexit “com ou sem acordo” do primeiro-ministro britânico parece ter cada vez maior oposição institucional: Boris Johnson teve a sua primeira derrota nos tribunais, dos três casos que avançaram para as instâncias britânicas. O Court of Session (a mais alta instância judicial e civil da Escócia) contrariou, esta quarta-feira, a decisão do mesmo tribunal e considerou a suspensão parlamentar até 14 de outubro como “contrária à lei”, ficando, assim, sem efeito.

No entanto, a suspensão continua em curso, pelo menos até à próxima semana, porque o Governo recorreu imediatamente da decisão do tribunal escocês, cabendo agora ao Supremo Tribunal britânico decidir sobre o caso, na próxima terça-feira. 

A ação foi avançada por 75 parlamentares de vários partidos – tanto da Câmara dos Lordes como da Câmara dos Comuns – cujo objetivo é contornar a decisão do primeiro-ministro. 

Na primeira apreciação do caso escocês, na quarta-feira passada, o juiz Lord Doherty não quis interferir numa questão que considerou política e não legal. “Na minha opinião, não há transgressão do Estado de Direito. O Parlamento é o mestre dos seus próprios procedimentos”, justificou Doherty, adiantando que, em último caso, caberia ao eleitorado escrutinar a decisão do primeiro-ministro.

Só que esta quarta-feira os três juízes do Court of Session encarregues de deliberar acerca dos recursos não tiveram a mesma opinião. No resumo da decisão, Lorde Carloway, juiz sénior, disse que as circunstâncias em que o Governo pediu a suspensão do Parlamento são ilegais porque “o seu propósito foi frustrar o escrutínio parlamentar do Executivo, o pilar central da boa governança imbuída na constituição”.

 

Significado da decisão A apreciação do coletivo de juízes escoceses é importante, pois diverge do High Court de Londres e Gales – que, tal como Doherty, argumentou na passada sexta-feira que a questão era puramente política – e pode mudar o panorama jurídico no Reino Unido.

Jim Cormack, especialista em direito constitucional, disse à BBC que o Court of Session considerou “claro” que o Governo ultrapassou as linhas normalmente permitidas pelos tribunais.

“Esta decisão do tribunal escocês muda radicalmente o cenário jurídico antes de uma audiência prevista no Supremo Tribunal do Reino Unido na próxima semana”, realçou Cormack.

O Supremo Tribunal irá debruçar-se na terça-feira sobre as várias decisões referentes à suspensão parlamentar: entre elas, o do Court of Session e a do High Court de Londres. Na segunda, ganhou o Governo, na primeira ganharam os parlamentares. Ora, como explica James Forsyth, editor de política do Spectator, o Supremo Tribunal irá apreciar as decisões de acordo, no caso do High Court, com a lei inglesa, e no caso do Court of Session, segundo a lei escocesa – o que torna a apreciação da próxima semana imprevisível.

“Isto aumenta a possibilidade deles decidirem que é legal sob a lei inglesa, mas não sob a escocesa. Nestas circunstâncias, o Parlamento terá que ser trazido de volta, na base de que a prorrogação [suspensão] tem de ser legal em todas as partes do Reino Unido”, dissertou Forsyth.

Espera-se agora a decisão do High Court de Belfast, na Irlanda do Norte, no dia 16 de setembro, um dia antes da apreciação do Supremo-Tribunal, cuja queixa foi avançada por Raymond McCord, antigo ativista contra a violência no país que teve o seu filho morto pelos paramilitares – da Força Voluntária Ulster – lealistas ao Reino Unido. 

McCord acredita que um no-deal Brexit, não havendo uma salvaguarda na fronteira entre as Irlandas, potenciará o caos e a miséria naquela parte da ilha, pondo em causa o acordo de Sexta-Feira Santa, em efeito desde 1998.