Não é muito complicado definir marketing. Uma pesquisa no Google devolve milhões de resultados em menos de um segundo. Não há para todos os gostos, li algumas e todas versam a ação ou atividade das empresas no que diz respeito à conceção, compra, distribuição, comunicação e venda de produtos e serviços. Tentando fazer o difícil exercício de resumir numa só palavra, escolho vendas. Marketing é vender melhor, maior quantidade, mais margens ou uma combinação das duas. Resumir o marketing à comunicação ou até à atividade publicitária de uma marca é, no mínimo, insuficiente. Além de um perigoso erro, sobretudo num contexto onde a concorrência é global, a digitalização quebra barreiras todos os dias e as marcas reconhecem a necessidade de criar experiências holísticas. Um exemplo simples: um produto premium não pode estar associado a um mau serviço de entregas. Quem nunca?
Não é novidade para ninguém o protagonismo do e-commerce nas relações entre marca e consumidor. Compramos cada vez mais produtos e categorias online, vencem-se preconceitos como a segurança das transações, a qualidade e garantia dos produtos, comparamos e recomendamos reforçando e até substituindo o papel das marcas. E depois tudo falha no último esforço. A forma como nos chega uma encomenda, a experiência de abrir a caixa – experimentem pesquisar unboxing no Youtube – e o prazer de receber o que até então só conhecíamos por fotografia, vídeo ou no corpinho das outras, são fatores decisivos para a avaliação da experiência marca.
Uma das limitações mais evidentes de qualquer plataforma de e-commerce é a gestão do processo de compra por impulso, se compramos online não vamos ter o produto no minuto seguinte, pelo menos por enquanto. Toda a gente entende e, sem outra solução, aceita isto. É normalmente durante este processo que passamos de #felizcompradordeumprodutoquenãohácáeestavacomumpreçofantástico a #nuncamaisésábado e #andamagozarcomigo ou #estamarcanuncamais. Voltando ao início do texto, a comunicação é o menor dos problemas – e pouco pode fazer- quando passamos por estas situações.
A compra por impulso é um comportamento típico e potenciado pelas capacidades das plataformas digitais. 80% dos jovens americanos fazem compras por impulso, segundo um artigo da CNBC. Apesar da contradição entre motivação para o comportamento e plataforma. Satisfação imediata numa transação online só se vier do registo do débito ou, nalguns casos, um e-mail a felicitar-nos pela aquisição. Promover a compra por impulso de algo que vamos demorar pelo menos uns dias a receber é a regra no e-commerce. A exceção são alguns serviços ou produtos desmaterializados, mas neste caso é o canal óbvio. Mas tudo, ou quase, no online está orientado para promover a compra por impulso: a comunicação é cada vez mais contextual, exibe-se e destaca-se a disponibilidade de stocks, oferecem-se promoções com validades muito curtas. E depois há o remarketing e todo um conjunto de técnicas cada vez mais complexas e eficazes que limitam, dificultam, a saída de sites sem comprar, a recuperação de carrinhos. No fundo, tudo o que possam ser pontos de fuga à compra são trancados com novos estímulos. É o marketing digital a fazer o seu trabalho. E cada vez compramos mais online.
Mas após a compra começa a fase de sofrimento, de gestão da ansiedade da espera. E da ausência de notícias, aquelas mensagens simpáticas que nos explicam onde está a nossa encomenda. Pior, quantas vezes não é anunciado o dia e hora da entrega, por sms ou e-mail, e nada. A encomenda não aparece. No tracking online percebemos que já saiu do armazém e está na rota. Não há novo sms nem resposta ao email que, entretanto, enviámos. O call center, além de cobrar a chamada, demora a atender e, quando atende, a resposta é qualquer coisa como «está com o distribuidor, não temos mais informação». Nesta fase ninguém está contente. Entre desgosto e alguma revolta, até porque, entretanto, uma das marcas da Inditex lançou um trapinho igual e lá se vai uma oportunidade de fazer inveja às pirosas. Claro que aqui a culpa é da marca e só da marca! Foi à marca que comprámos o produto, foi a marca que nos disse como e através de quem chegaria até nós, é com a marca que estabelecemos uma relação de confiança.
O meu caso é um de muitos. Começou em julho, a partir de um pre-roll no trailer do novo filme do Joker encomendei uma t-shirt. Concluí a compra em menos de dois minutos, numa empresa onde não tinha qualquer tipo de registo. Recebi a mercadoria mais de um mês depois. As referências da UPS não servem para Portugal, onde o transportador é outro. A alfândega escreveu uma carta, em papel, para preencher um conjunto de dados que já possuíam na sua plataforma online. E no dia da entrega paguei os custos ao carteiro, em dinheiro e ‘trocadinho’ se faz favor.
Numa compra online a única componente física que deve existir é o produto que adquirimos. Mas não só ainda andamos a dois tempos, como um está a prejudicar o outro. Jeff Bezos e a sua Amazon demonstram uma capacidade superior para entender a importância da cadeia de valor no e-commerce. Inovam em tudo e a logística não é exceção, é prioridade. E estão em todo o lado, à falta de melhor trata-se de aprender e copiar. Por enquanto vivemos a dois tempos, tentando migrar uma realidade da carta, porventura rentável, mas sem qualquer perspetiva de futuro para uma outra, de transporte de volumes, que é o presente, será o futuro e todos os implicados sabem isso. Mas que em nada são iguais. E não, a culpa não é do carteiro.
*Responsável Planeamento Estratégico do Grupo Havas Media Media