Com esta breve reflexão pré-eleitoral inicio uma série de quatro, que o Semanário Sol teve a simpatia de acolher. Reapresento-me como antigo colaborador do jornal i, lembrando que, após ter alinhado na ala reformista do Consulado de Marcello Caetano, vim a desempenhar papel de responsabilidade nas candidaturas a Belém do meu colega de Universidade Mário Soares, posto o que ingressei, a convite de Jorge Sampaio, no Partido Socialista para o vir a representar na Assembleia da República e na Câmara Municipal de Oeiras, sem prejuízo da atividade universitária e associativa. Do PS saí desabridamente anos depois em confronto com o desmadre do socratismo, mais do que por antipatia pessoal com José Sócrates, pressentindo o que, no entretanto, ganhou forma de insistente rumor para não ir mais longe em fase de trâmite judicial.
Como independente tornei-me depois interlocutor de Passos Coelho, apreciando o seu honrado comportamento no período de salvação nacional, ficando desconfortável ao vê-lo abandonar recentemente a liderança do PSD. Encontro-me assim em estado de espírito politicamente reticente, o que o leitor saberá tomar em consideração nas mensagens que lhe vou deixar, tanto mais quanto a construção política presa por arames, a que se preferiu chamar jocosamente geringonça, impediu levar a cabo uma dinâmica política coerente com o contexto, que consolidasse o país em termos de democracia, ordem e progresso. Nessa perspetiva, António Costa em lugar de salvar, como diz, o PS, enterrou-o na História repudiando o legado de Soares, Zenha, Sampaio, Guterres e até de Sócrates, que, tenha ou não sido pecaminoso o seu comportamento no domínio da corrupção, sonhou para o país um futuro melhor.
Passos Coelho acertou, pois, ao prever que, após o acesso ao poder da ‘geringonça’, viria o diabo. Tê-lo-á dito metaforicamente sem acreditar inclusive na existência do mafarrico. Dai que não aprofundasse o problema, confundindo Satan com as suas obras. Explicando-me melhor: escamotear ou retocar ardilosamente resultados económicos e financeiros, recomendar o não cumprimento integral da lei, atrasar a evolução judicial com expedientes dilatórios, defender os fortes para atacar os fracos numa negociação laboral, ignorar o incumprimento de compromisso de pagamento a pensionistas e sinistrados, inventar achamentos de munições roubadas pela incúria de quem as devia guardar, constranger comentadores, analistas e órgãos de informação, são obviamente ações ou omissões tão negativas quanto as igrejas cristãs as poderiam ter como satânicas. Contudo, não são o diabo em si mesmo.
O príncipe das trevas identifica-se com a Mentira, que se opõe à Luz, Verdade e Vida da preleção evangélica. Ora é exatamente a mencionada mentira, se o leitor preferir falsidade que se instalou em Portugal em termos inadmissíveis ainda no começo deste século. As eleições legislativas que se aproximam podem servir para se iniciar o vigoroso resgate moral, ou pelo contrário acelerar o deslizamento ético, que só uma crise à grega viria corrigir. O socratismo perdura como recentes escolhas o demonstraram. O leitor conhece-as. Vote como melhor lhe aprouver. Contudo, algumas dicas lhe deixarei nas reflexões seguintes.
*Resiliente militante do envelhecimento ativo