Não deve haver ninguém que não saiba o que se diz de nós em jeito de caricatura: «Portugal é o país dos papéis». Este rótulo tem resistido às novas mentalidades e mesmo ao ‘assalto’ da informática – que, com todo o seu poderio, apenas o conseguiu disfarçar um pouco.
Não me compete investigar as causas que conduziram a essa forma de estar na vida, e devo até confessar que convivo muito mal com essa realidade; mas já se percebeu que vamos continuar a ter de viver com ela, pois as várias tentativas efetuadas para mudar o sistema não tiveram o sucesso desejado.
A burocracia ‘veio para ficar’. Vá a pessoa para onde for, são precisos papéis e mais papéis, relatórios e mais relatórios, documentos e mais documentos, não há volta a dar.
Nos serviços de saúde sente-se (e de que maneira!) o peso da burocracia. Os médicos de família, cada vez mais burocratas e menos médicos, vão pagando o preço da fatura, de tal forma que já se diz por aí que é mais o tempo gasto com os ‘papéis’ do que com os doentes!
Por exemplo: para quê pedir mais relatórios aos médicos de família se os doentes obrigados a ir a juntas médicas para verificação de baixas ou no âmbito da Saúde Pública já têm toda a informação clínica necessária dos respetivos especialistas hospitalares que os seguem? Haverá necessidade de sobrecarregar ainda mais os clínicos com esta duplicação de funções? Qual o preço a pagar pelo excesso de burocracia? Não seria mais rentável para todos menos papel e mais medicina?
Outro ponto forte em que Portugal é fértil são as reuniões. Principalmente, o setor público está carregado desse tipo de encontros, onde muito se discute e pouco se decide. A experiência vai-nos dizendo que na maioria dos casos o tempo gasto nas reuniões não é bem aproveitado, deixando nos participantes uma sensação de frustração e de vazio. Mas apesar disso, as reuniões são sagradas. A interrupção do serviço efetivo para as reuniões nunca pode ser posta em causa. A reunião está sempre primeiro – e é aceitável que qualquer profissional invoque à cabeça esse direito, mesmo que seja chamado a intervir para acorrer a um imprevisto: «Agora não, que vou para a reunião!».
As pessoas fazem das reuniões um tempo de lazer, um espaço para convívio, uma descarga de emoções onde todos têm necessidade de falar mais ou menos acaloradamente, sem se chegar a conclusão nenhuma. E o trabalho parou. E nós todos estamos a pagar. E ficou serviço por fazer.
Não sou contra as reuniões, longe disso, mas é preciso bom senso e essas atividades nos horários de cada um (médicos, enfermeiros, administrativos) devem ser feitas com conta, peso e medida.
Destaco, pela positiva, a importância das reuniões multidisciplinares a nível hospitalar, onde médicos das várias especialidades discutem a estratégia terapêutica mais adequada a cada doente; as reuniões gerais nos vários serviços com periocidade regular; e as reuniões clínicas de formação. Nos outros casos, deve ser um assunto a rever.
Lembro-me – quando fiz parte da então Administração Regional de Saúde de Lisboa, em 1986, e participei em Bruxelas nas reuniões sobre formação específica em Medicina Familiar, no âmbito da então CEE – de como eram esses encontros: rigor absoluto nas horas de início e fim, e agenda previamente definida, com as intervenções dos participantes preparadas ao pormenor. No final, o meu relatório era analisado e discutido, e as diretrizes europeias eram divulgadas em cada Estado-membro. Isso sim, eram reuniões; neste campo, ainda temos muito que aprender.
Volto a insistir na questão do dinheiro investido nas ‘vulgares reuniões’. O tempo de interrupção do trabalho tem um preço e quem o paga somos nós. Há muita coisa que fica por fazer quando o tempo é ocupado com reuniões inúteis. No caso do setor médico, pode haver consultas que ficam para trás, pelo que acho necessário olhar para o problema com outros olhos.
Mude-se a estratégia. Em vez de se dizer a quem nos procura: «Agora não, que vou para a reunião», diga-se antes: «Agora sim, disponha de mim».