Tóquio. Urbe imensa onde parece impossível um estrangeiro sentir-se em casa. No meio do enorme centro de comércio que tem a estação de metropolitano mais frenética do universo, no bairro de Shibuya, Hachiko, o cão de bronze, espera desde 1934 em forma de estátua, ignorando os passantes, pelo regresso a casa do professor HidesaburōUeno, o seu dono morto por uma hemorragia cerebral. Hachi-ko significa grande afeição. Hachiko, o firme. A sua figura metálica é a única que não se deixa contaminar pela urgência das passadas, pelo rodar intenso dos automóveis, pelas multidões que se aglomeram à espera do verde dos semáforos, pela vida que desagua em direção a Ebisu, Harajuku, Hiroo, Higashi, Omotesandōou Sendagaya.
Tóquio: não há palavras que a descrevam. É preciso mergulhar nela e manter os sentidos atentos. Todos os sentidos. A cidade entra-nos pelos olhos, pelos ouvidos, pelos poros, cola-se à pele. Em poucos lugares como Tóquio é possível sentir a solidão no meio de mais de catorze milhões de pessoas.
Ontem, em Chofu, dormitório gigante da gigantesca capital do Japão, no Estádio Ajinomoto, também chamado de Estádio de Tóquio por aqueles que preferem esquecer a nomenclatura comprada a bom preço pela Ajinomoto Company, uma empresa de produtos farmacêuticos e de alimentos processados, Japão e Rússia deram o pontapé de saída da 9.ª edição do Campeonato do Mundo de Râguebi, pela primeira vez disputado num país asiático.
Um pouco por todo o Japão, desde Sapporo, no norte, na ilha de Hokkaido, a sul, a Oita e Kagoshima, vinte seleções combaterão até ao limite do ranger de tendões e articulações, até à resistência máxima dos músculos, pela Taça Webb Ellis, um troféu criado nos idos de 1906 pelos Garrard’s Crown Jewellers, de Londres, e atribuído desde 1987 ao campeão do mundo. Só quatro países a tiveram em sua posse, Nova Zelândia (vencedora em 1987, 2011 e 2015), Austrália (1991 e 1999), África do Sul (1995 e 2007) e Inglaterra (2003). Dia 2 de Novembro ficaremos a saber a quem será entregue o troféu que leva o nome do reverendo William Webb Ellis, um clérigo anglicano que se supõe ter inventado este desporto (as doutrinas divergem) quando, durante um jogo de futebol, no ano de 1823, resolveu pegar na bola com as mãos e desatar a correr com ela em direção à baliza adversária.
Pela presença na final de Yokohama, nos arrabaldes de Tóquio, distrito de Kanagawa, no mesmo estádio onde assisti, há já dezassete anos, à vitória do Brasil sobre a Alemanha, por 2-0, golos de Ronaldo, o gordo, no jogo decisivo do Mundial de 2002 e que fez dos brasileiros, comandados por Luiz Felipe Scolari, pentacampeões do mundo, quatro grupos recebem cinco equipas, com os dois primeiros de cada grupo a serem apurados para os quartos-de-final.
Favoritismos…
Como sempre acontece, há um sistema para que os grupos se estabeleçam dentro de determinadas prioridades, garantindo à partida, e a despeito daquela que teve, um dia, o nome de gloriosa incerteza do desporto, que os favoritos seguirão para a fase eliminatória. Ainda assim, oGrupo A, por exemplo, tem três candidatos para dois postos – Irlanda, Escócia e Japão –, com Rússia e Samoa a assumirem o papel de outsiders, tal como acontece com o Grupo C, no qual Inglaterra, França e Argentina ganham primazia em relação aos Estados Unidos e a Tonga. Para os atuais campeões do mundo, a Nova Zelândia, sobra a sempre temível África do Sul, com Itália, Namíbia e Canadá. E para os inevitáveis candidatos australianos, o País de Gales, a Geórgia, as Fiji e o Uruguai.
Façam-se apostas, agora que é chegado o momento de as fazer.
Com um dado novo a baralhar, de alguma forma, as previsões. O Tîm rygbi’r undeb cenedlaethol Cymru, desculpem lá o palavrão, equipa do País de Gales para simplificar, comandada por um neozelandês de nome Warren David Gatland desde 2007, ocupou o primeiro lugar do ranking internacional pela primeira vez, durante um mês, tendo agora sido ultrapassada no topo pela surpreendente Irlanda, outra seleção com um técnico neozelandês no comando, este com nome alemão e dupla nacionalidade, JosefSchmidt. No sobe e desce de posições – a última classificação foi publicada no início do mês – os principais nomes mantêm-se nos principais lugares: Nova Zelândia (2.º), Inglaterra (3.º), África do Sul (4.º), País de Gales (5º), Austrália (6.º), Escócia (7.º), França (8.º).
A elite
Em trinta e dois anos de mundiais de râguebi, a elite da competição tem-se mantido inalterada. Repare-se que nas oito finais disputadas até hoje só couberam cinco seleções. Além das quatro vencedoras, supra-listadas, a França chegou ao jogo decisivo por duas vezes, em 1987, perdendo para a Austrália, e em 1999, perdendo para a Austrália, outra vez.
Se alargarmos a observação aos quatro primeiros classificados, semifinalistas, portanto, a elite não admite grandes surpresas: o País de Gales foi terceiro em 1987 e quarto em 2011; a Argentina foi terceira em 2007 e quarta em 2015, e a Escócia conseguiu a sua melhor classificação de sempre em 1991, perdendo com a Austrália no jogo de atribuição dos 3.º e 4.º lugares.
Um clube fechado, como se vê. Ninguém acredita que, mesmo nos confins da misteriosa Ásia, nesse país soberbo que é o Japão, onde a soberba se mistura com gestos de encantadora simplicidade, algo venha a mudar num estado de coisas tão cristalizado como é o da realidade de um Campeonato do Mundo desse jogo bretão que se tornou football-rugby para se diferenciar do pai, o football-association.
Hoje mesmo, em Yokohama, o espetáculo deverá estar garantido com um Nova Zelândia-África doSul. Ou com um França-Argentina, em Tóquio. Ordeiramente como é seu hábito, permitindo-se à distinção por entre o mais confuso dos caos, os japoneses farão a sua festa. Com a extrema educação que o imperador exige.