Saudade do professor Freitas do Amaral

Ao contrário do que fui vendo por aí escrito, não creio que Freitas do Amaral tenha sido um apoiante da ditadura. Não se terá, que eu saiba, demarcado nunca frontalmente mas não era um homem do regime.

Conheci o professor Freitas do Amaral quando entrei para a Faculdade de Direito de Lisboa, no ano letivo de 1966/67. Era ele então assistente do professor Marcelo Caetano na cadeira de Direito Administrativo, segundo ano. Fomos, todos os que entrámos então, alunos deles, Marcelo Caetano professor, e Freitas do Amaral assistente, nesse ano.

Guardo dele uma memória simpática, desde esses tempos hoje remotos. Eu sei que depois da morte é um pouco a regra do jogo fazer elogios. Mas ele era de facto uma figura cordial, aberta, que se destacava até pela sóbria elegância formal da postura, da severa, e fria, hierarquia docente e de poder, na Faculdade de Direito. Como aliás o outro assistente de Marcelo Caetano, em Direito Constitucional, Miguel Galvão Teles seu amigo. Acabei por fazer mesmo com Freitas do Amaral o exame oral de Direito Administrativo. Penso porque Marcelo Caetano acabara de sair para substituir Salazar como presidente do Conselho de Ministros. Ao contrário do que fui vendo por aí escrito, não creio que Freitas do Amaral tenha sido um apoiante da ditadura. Não se terá, que eu saiba, demarcado nunca frontalmente mas não era um homem do regime.

A sua visão na minha opinião era então digamos que marcadamente institucional. O que para nós jovens estudantes da esquerda era muito pouco. Mas Freitas do Amaral até foi evoluindo. E não foi pouco. Antes de Abril recusando polidamente um convite de Marcelo Caetano para o seu último Governo. Muito claramente depois da Revolução de 25 de Abril de 1974, sobretudo. Marcelo Caetano dá-lhe aliás ferroadas pessoais, algumas duras e injustas, nos textos memória que escreve no Brasil.

Depois de Abril, Freitas do Amaral desempenhou um papel que deve ser sublinhado. Com um contributo, na minha opinião dificilmente estimável hoje, para que em Portugal não haja nenhum movimento de extrema direita. E menos ainda recrudescências de fascismos. Freitas do Amaral, e seus companheiros na fundação do CDS, ocuparam um espaço que poderia ter sido ocupado pelas recorrências salazarentas. Freitas aprendeu então, na sua própria pele, o valor essencial, sine qua non, da liberdade. E das liberdades politicas, sem restrições. Juntou-se ao PSD numa frente de Direita, a AD nos finais dos anos setenta. Mas antes tinha-se juntado, patrioticamente, ao PS liderado por meu pai e Zenha, num histórico Governo PS /CDS. Governo curto mas que fez um bom trabalho. A posição do professor Freitas do Amaral foi evoluindo. Não tendo sido nunca um conservador retrógrado, evoluiu a pouco e pouco para posições cada vez mais progressistas. Eram aquelas em que penso que estava agora. Em 1986 ele e meu pai enfrentaram-se nas eleições presidenciais. As mais emotivas e disputadas de sempre por cá. Ele foi o protagonista da candidatura de direita. Onde havia uns pozinhos, poucos e pouco expressivos, de revanchismo anti-esquerda. Nessa altura fizeram se lhe também acusações e imputações excessivas. É a vida, como costuma dizer António Guterres.

Freitas do Amaral era um português que amava a sua terra, Portugal. Um europeu, europeísta. Um intelectual culto com uma obra vasta e significativa. No domínio do Direito, e não só. Até escreveu algum teatro. Era um homem tolerante e aberto por quem eu tinha respeito. Tive sempre com ele, sobretudo depois do 25 de Abril, uma relação muito cordial. Vou ter saudades do professor Diogo Freitas do Amaral.

por João Soares

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