Em linguagem de casino podemos dizer: ‘Os jogos foram feitos e os resultados conhecidos’.
E agora, o que se espera?
Democraticamente, o primeiro-ministro indigitado (que agora venceu as eleições), depois de convidado pelo Presidente da República para formar Governo, escolhe os ministros e demais membros do Governo, elabora o Programa do Governo e apresenta-o na nova Assembleia da República, submetendo-se a sufrágio.
E o que se pode dizer?
Que o (grande) vencedor das Eleições Legislativas de 2019 foi Marcelo Rebelo de Sousa, pois mantém (ou aumentou) o seu espaço de manobra, podendo agora, em definitivo, iniciar a ‘marcha’ para um segundo mandato, recuperando (e aumentando) um poder de intervenção quase completo e assumindo-se como o ‘centro nevrálgico’ do poder em Portugal.
Retoma assim, triunfante, o seu projeto de intervenção (pessoal) numa leitura da Constituição que sempre ambicionou.
O Bloco de Esquerda não foi derrotado, pois mesmo travestido de social-democrata (e talvez por isso) manteve os resultados (em mandatos) das anteriores eleições.
Perderam os partidos – à direita e à esquerda – que mantiveram a coerência aos princípios, valores e programas, sem cedências oportunistas: o CDS-PP e o PCP.
O ‘epifenómeno’ dos Animais e da Natureza, embalado pelas opiniões publicadas, subiu ao nível de ‘parceiro útil’.
Saudamos a entrada de novos partidos, especialmente a Iniciativa Liberal, que pode significar uma ‘lufada de ar fresco’…
Aguardemos, pois, pela apresentação do Programa do Governo, esperando que este seja objetivo e contemple metas e cronogramas para a legislatura, possibilitando assim que, de forma transparente e oportuna, todos o possam avaliar e aferir da sua execução.
As métricas devem ser meticulosas e claras, permitindo que os portugueses as possam comparar com o Programa Eleitoral que o vencedor das eleições lhes apresentou, pois só assim saberão se foram vítimas de um logro ou se há coerência entre o que lhes foi prometido e aquilo que se pretende fazer ao longo da legislatura – em democracia é assim que deve ser.
Previsivelmente, teremos um Governo de ‘geometria (ou apoio) variável’ e muito do possível estará nas mãos ‘das oposições’, sendo de esperar, pelo anteriormente afirmado, que apenas o CDS-PP se recuse a ‘partilhar’ o poder.
Também em linguagem de casino… iniciam-se ‘Novos Jogos’ – sendo que o ‘croupier’ (o Presidente da República) se manterá muito atento e, sempre que puder, não se inibirá de participar – direta ou indiretamente – nos muitos jogos que se adivinham.
Nesta conjuntura, as instituições assumem particular importância, esperando-se que sejam fortes, competentes e ‘impermeáveis’, especialmente a Justiça, as Forças Armadas e de Segurança, a Diplomacia, o Tribunal Constitucional, o Conselho de Finanças Públicas e a Concertação Social.
No que às Forças Armadas diz respeito, no cumprimento do que a Constituição e demais leis lhe conferem, exige-se o estrito, rigoroso e competente cumprimento da ‘missão’, sem subserviência, desleixo ou comodismo, mas também – sempre que tal se justifique – informando os portugueses das suas dificuldades e impossibilidades.
O que infelizmente se passou na execução das exéquias fúnebres de Freitas do Amaral não augura bom futuro.
Os líderes das instituições exercem, de forma temporária, sua direção ou comando, mas não são os seus ‘donos’.
A característica primordial das instituições é o cumprimento da Lei e dos Regulamentos… e, mesmo que aqui também se pretenda aplicar a recente interpretação dada pelo Conselho da Procuradoria da República sobre a ‘letra da Lei’, há interpretações que ferem o ‘espírito’ da mesma (e do legislador) por mais benévolos que queiramos ser.
Como diria o diácono Remédios, ‘não havia necessidade’.
Amigos, amigos… leis à parte.
Desejamos que, na área da soberania, o futuro primeiro-ministro faça escolhas adequadas, competentes e respeitadoras, porque muito do futuro do regime democrático se decidirá também neste domínio.
A responsabilidade dos chefes militares será assim acrescida, pelo que devem permanecer atentos, vigilantes e intervenientes na previsível instabilidade que Portugal vai enfrentar.
A estabilidade também é um somatório de estabilidades.
Possíveis alertas:
1. Ainda o Caso de Tancos
– Ao Presidente Marcelo lembramos que, no que lhe diz respeito, o processo ainda não está encerrado, porque não sabendo de nada (?!) terá de tirar ilações (e promover medidas e ações) sobre aqueles que, sabendo, nada lhe comunicaram… Isto é o mínimo que se lhe exige;
– A situação do primeiro-ministro poderá ser ainda mais gravosa. Aguardemos, pois;
– À nova Assembleia da República é conferida a oportunidade, porque ‘nova’, de mudar o muito que a ‘antiga’ fez de errado.
2. A Geometria (apoio) Variável A possível e previsível governação com geometria (apoio) variável traz à colação um ditado popular de grande alcance e oportunidade: ‘Sabem-se as verdades quando se zangam as comadres’.
Sendo que, aumentando os ‘parceiros’, decerto aumentará a possibilidade de maior confusão/instabilidade.
O desempenho dos órgãos de comunicação social será, também aqui, determinante (podem e devem funcionar como VAR para ajuda do ‘árbitro’).
Às oposições, e principalmente ao principal partido, cumpre o dever de, serena e friamente, fazerem a análise do que vai acontecendo – e, sem ‘jogos de ‘secretaria’, reagirem (como democraticamente lhes é imposto).
A todos compete resistir à oferta de tentadoras ‘bitcoins’.
Numa situação de permanente incerteza, tudo é possível. Volvidas as eleições, a todos ficou entregue a responsabilidade de levar Portugal a cumprir mais quatro anos que se anteveem envoltos em muitas incertezas, previsíveis dificuldades e grandes desafios.
Assim sejamos capazes.
*Major-General Reformado