No dia reservado à reflexão de mais um ato eleitoral, o país alegrava-se com as imagens do novo cardeal português a ser abraçado pelo Papa Francisco. Em tempo recorde, o discreto madeirense passou de padre a bispo, e do bispado a cardeal, por sinal o mais jovem do país. Pelo caminho ficaram ‘sacos de vento’, vinte anos mais velhos, que toda a vida aspiraram ser alguém na hierarquia do Vaticano.
Impantes de vaidade, aproveitaram os tempos de abertura, pós Vaticano II, para se tornarem protagonistas de tudo quanto foi acontecimento mundano nos últimos quarenta anos. Ofuscados pelas luzes da glória, acabaram perdidos nos corredores do poder a negarem Cristo e a sua doutrina. O tiro saiu-lhes pela culatra. Na cadeira de São Pedro sentaram-se, sucessivamente, João Paulo II, Bento XVI e Francisco, em cujos pontificados o primado da verdade se sobrepôs à aparência, que fora, por muitos séculos, moeda corrente entre os príncipes de Roma.
De diversas formas e em diferentes graus, os maus pastores desrespeitaram a batina que lhes cabia honrar. Nuns casos, o mal esteve na postiça bonomia dos contadores de anedotas; noutros, nas ameaças de condenação dos ímpios à fornalha do inferno, na pior tradição de Torquemada; noutros ainda, no gesto estudado e na voz melíflua copiados da figura central do romance Vermelho e Negro; noutros, por último, no pretenso purismo dos ascetas. Tudo a bem do espetáculo, em que pontificavam a jactância parola e a ambição, coisas que não colam com o exemplo de vida do Papa Francisco, nem com os repetidos incitamentos a uma vida simples e honesta.
Com sabedoria acumulada em mais de dois mil anos, o Vaticano descartou os que se secularizaram pela via errada, guardando o barrete cardinalício para um homem de trabalho, e de saber, que faz da discrição o seu lema de vida. Sobre os méritos de Dom José Tolentino Mendonça já tudo foi dito e escrito, e em várias tonalidades: no momento em que foi elevado a bispo, quando foi chamado para exercer as funções de arquivista e bibliotecário do Vaticano, e agora, quando já são muitas as vozes que sugerem a condição de Papabile. É obra!
A quem se habituou a ler o padre Tolentino – o poeta, o cronista ou o ensaísta – não pode ter escapado a erudição temperada pela simplicidade e o entusiasmo com que converte em lições atualizadas de humildade e tolerância as cartas dos evangelistas. Tudo a contrastar com a ideia de uma Igreja só para os santos e os puros, que os antecessores, ocupados com o social, não cuidaram de inverter.
Não custa antever que as causas do cardeal Tolentino Mendonça não irão mudar na prática cardinalícia, porque não há importância, hierárquica ou outra, que suba à cabeça de um homem justo, genuinamente humilde. O seu discurso continuará a ser fluido e estimulante, sem lugar para a facilidade ou para o dogma, porque o homem que foi saudado pelo bispo de Roma na sua faceta de poeta não deixará que o afastem da doutrina de Cristo.