No passado ano, por ocasião dos meus quarenta anos de licenciatura, recebi um honroso convite da Paulus Editora para fazer um livro com todos os meus artigos publicados no SOL.
A princípio, devo confessá-lo, hesitei muito e fui adiando a minha decisão. Sabia perfeitamente que o mercado estava saturado e não queria que o meu livro fosse mais um a ir para a estante sem ser lido. Apresentaram-me, no entanto, um argumento ao qual fui sensível: partilhar a minha experiência profissional no mundo dos meus doentes.
Desse modo, por entender que faria sentido, aceitei o desafio com três finalidades: ajudar as pessoas a pensarem pela sua própria cabeça, ajudá-las a encontrarem um caminho para que possam ter vida e oferecer os meus direitos de autor ao IPO. Assim nasceu Para Que Tenham Vida, livro que dediquei a todos os meus doentes e também à memória daqueles que já partiram.
Consciente das minhas limitações e das dificuldades que iria enfrentar para lançar a obra no mercado, já que não sou propriamente um escritor, em todas as conferências de apresentação do livro concluía sempre da mesma maneira: «Se com este livro eu conseguir ajudar alguém, mesmo que apenas um, também direi que já valeu a pena».
Tudo isto vem a propósito da história, real e comovente, que se passou comigo no passado mês de setembro. No final de um dia de trabalho, recebi um surpreendente telefonema que ainda hoje recordo com emoção. Isabel G. Neto, médica especialista em cuidados continuados e paliativos que bem conhecemos, dava-me conta da situação clínica complicada de uma doente internada no seu serviço há muito tempo, já submetida a várias cirurgias, tendo como ponto de partida um tumor do rim. Esta doente, uma ‘lutadora’ incansável, entregou-se na mão dos médicos, aceitando sem revolta e com resignação o seu problema de saúde.
Os meus colegas vêem nela um exemplo de coragem e de aceitação da doença fora do comum, pelo que lhe dedicam redobrada atenção e um carinho especial. As forças física e sobretudo psíquica começam a faltar e, por isso, qualquer coisa que a possa ‘alegrar’ ou distrair é aproveitada imediatamente. De repente, viram-na muito entusiasmada a ler um livro que a «ia deixando fascinada» e questionaram-na acerca da leitura. Ao ver a capa com a fotografia do autor, esta experiente e dedicada colega lembrou-se logo de lhe fazer uma surpresa e combinou no serviço a melhor forma para a concretizar. Quando ao telefone me contou a história, aceitei sem hesitar o convite para visitar a doente, conversar um pouco com ela e autografar o livro, mantendo a ‘operação’ em segredo para não estragar os planos previamente definidos.
Ao chegar ao hospital, a Dra. Rita Abril, outra colega do serviço, entrou comigo no quarto e disse à doente: «Sra. D. Irene, tem aqui uma visita». Olhando para mim e para a capa do livro que estava a ler naquele momento, a doente, de lágrimas nos olhos, nem queria acreditar. E com dificuldade deixou cair três frases: «Como é possível? Quem diria? Que surpresa!». Respondi comovido: «Sou eu mesmo, Sra. D. Irene. Quando me disseram que o meu livro a distraía e a ajudava nesta nova etapa da sua vida, quis vir aqui para a conhecer pessoalmente e transmitir-lhe a minha total solidariedade».
De seguida a doente fez-me muitas perguntas sobre o livro, falou da sua doença e de Fé, fazendo questão de salientar que «confiava na Mãe do Céu», sempre ao seu lado neste penoso calvário.
Fiquei com ela quase uma hora e saí com a sensação de que, pelo menos durante aqueles momentos, eu tinha contribuído para que ela ‘pudesse ter vida’! Sendo assim, os objetivos estavam atingidos: «Se com este livro eu conseguir ajudar alguém, mesmo que apenas um, também direi que já valeu a pena».
No dia seguinte — e através de familiares da doente — recebi a notícia que mais podia desejar: a Sra. D. Irene tinha voltado a sorrir!
(Por se tratar de um caso real, o nome da doente está trocado).
P.S. – A primeira semana de outubro foi terrível para mim. Vi partir dois amigos que muito me marcaram e que estiveram presentes nos bons e maus momentos da minha vida. Nuno Sttau Monteiro e Diogo Freitas do Amaral deixaram-nos e agora já estão a olhar por nós na Casa do Pai. Mas, mesmo acreditando nessa realidade, citando a Madre Celina, «Para quem fica, dói a presença da ausência. A certeza da Fé não anula a natureza sensível». Nesta hora difícil, presto-lhes a minha homenagem pedindo a Deus que os recompense por tudo o que fizeram nesta Terra e os receba na sua Glória.