Por quase quarenta anos, o Doutor Salazar ocupou-se dos destinos do Império, sem contestação que fosse além de um discreto rosnar para o lado, salvo nos escassos grupos oposicionistas, onde havia quem desse o corpo ao manifesto.
O homem de Santa Comba não apreciava os partidos políticos e gostava da censura, mas não era um déspota igual àqueles que ‘havia lá fora’, porque Portugal não tem dimensão para gerar ditadores! Depois, o homem fazia uso dos bens da Nação com parcimónia e surge agora com a auréola de santo, em contraste com a nova praga das democracias: a rapina!
Ordeiro e manso, o povo português deixa-se pastorear por qualquer ‘messias’ que apareça a prometer mais dinheiro ao fim do mês. No século XIX, tivemos caciques que pagavam as chapeladas com um porco a assar no largo da igreja e um pipo de vinho com a torneira aberta. Os sucessores republicanos, nem isso. No geral, eram operários da indústria, empregados do comércio e intelectuais pobretanas, que não tinham para sustentar a família, quanto mais os de fora.
Já a democracia produziu os ‘barões’ que vestiam em Paris e frequentavam SPAs, mas tinham como aspiração máxima serem bem-sucedidos nas intrigas das sedes partidárias.
Cada país tem os déspotas que consegue produzir e os ‘pais da pátria’ que mais se ajustam às colunas dos jornais de referência e aos debates nas televisões, que outorgam títulos de senadores da república, após indecifráveis ‘provas de doutoramento’, prestadas à mesa dos restaurantes da moda. Os títulos são vitalícios, as famílias e os cortesãos dizem-nos homens providenciais e, com tocante modéstia, eles acreditam.
No passado, o acrisolado amor aos cargos fê-los correr riscos que poucos conseguiram evitar: convenceram-se de que eram visionários e infalíveis e, com o tempo, tornaram-se homens sós, arbitrários nas decisões… e insubstituíveis.
Foi assim que ganharam raízes e fundiram na mesma entidade a pessoa e o cargo, abolindo fronteiras entre a esfera pessoal e o domínio patrimonial das organizações administradas, fossem elas a câmara municipal, o clube desportivo, a empresa, o jornal, a universidade, o sindicato ou a corporação de bombeiros: ‘eles é que sabem, eles é que devem estar!’ Quando afastados do cargo, arrogam-se o direito de ensinar… exibindo a obra feita e reclamando a ‘herança moral’.
Semanalmente, vemos exemplos do vício nos treinadores reformados: o seu tempo passou, mas eles empolgam-se quando fazem as equipas, ditam as táticas e, no final dos jogos, imputam as derrotas aos árbitros. Ainda agora, o professor Cavaco Silva veio apontar os erros cometidos no partido que liderou… quando ainda não era político.
Com a proverbial ausência de dúvidas, agora que já é político profissional, falou grosso e sacou do seu joker, no caso da sua joker, para salvar a pátria e o PSD. Ele é que sabe como se faz! Sensato, o Dr. Rui Rio fez o que devia: deixou-o a falar sozinho. O país não deu por nada.