O próximo Governo não terá um ‘período de graça’ por duas razões: porque (1) António Costa não escolheu um novo Governo, mas fez um Governo minoritário de continuidade, apenas remodelado, que não conta com a base parlamentar com que superou a derrota socialista de 2015, o que certamente radicalizará o PCP e o BE e tornará muito mais esquerdizante a própria governação; e porque (2) a instabilidade ou a fragilidade nas lideranças dos maiores partidos da oposição, à direita e à esquerda, exige uma marcação cerrada ao inimigo comum: António Costa.
A própria saúde do chefe de Estado veio introduzir um novo elemento de instabilidade no novo ciclo político.
Ainda o Governo não tomou posse e já saltam para os jornais os episódios de censura, o inquérito a Tancos ou o caso do lítio, que a subida de Siza Vieira a número dois do Governo – sinalizando uma tentativa de minimizar danos na presidência portuguesa da UE, mas também, a guerra interna no Governo e no PS que, para já, leva António Costa a desvalorizar os seus potenciais sucessores – e a autonomização da Administração Pública, com Alexandra Leitão à frente – a indicar maior combatividade contra a instrumentalização de Função Pública pela CGTP-IN – não chegam para apagar.
O desgaste provocado pelos casos que fizeram a campanha eleitoral – que em menos de 30 dias retiraram a previsível maioria absoluta ao PS – prometem ficar no quotidiano da luta parlamentar nesta legislatura, judicializando a política interna e transformando o Ministério Público numa espécie de Inquisição, com a delação e o medo a passarem a ser parte do luta partidária. É grave e vai prejudicar a imagem do Regime.
No que respeita ao executivo, é claro que ao decidir governar sozinho e em minoria, o PS impõe ao país uma governação à vista, com alianças variáveis e o abandono de um programa coerente, ou seja, o realismo político assume ser a narrativa de um Governo que apenas existirá para se manter no poder e que, para isso, vai ter que aceitar a radicalização da sua esquerda, já que não deve contar com a direita, a não ser para as reformas estruturais que o seu programa já excluiu. É pouco e vai acabar mal.
Acresce ainda que, para além de condições mais adversas na economia internacional, a novidade de uma oposição dupla (uma à esquerda e de outra à direita) provocará um rápido desgaste ao Governo socialista e uma inevitável instabilidade política ao longo da legislatura que, arrisco, dificilmente chegará ao fim.
Finalmente, a oposição: tudo somado, a esquerda não ficou muito melhor, em votos, comparando com 2015 e a engenharia eleitoral à esquerda voltou a excluir do ‘arco a governação’ a extrema-esquerda (BE) e o PCP. Ou seja, estas eleições repuseram a normalidade do Regime Político, voltando à rotatividade no centro e excluindo os partidos radicais, curiosamente quando o Sistema de Partidos cria, pela primeira vez, as condições para um reequilíbrio, com a parlamentarização de um partido mais extremista à direita (que tenderá a crescer, com voto de protesto daqueles que se sentem excluídos e acomodam o desespero na nostalgia).
Esta nova realidade pode ter dois efeitos: excluir em definitivo os radicais, de esquerda e de direita, do arco de Governo, recentrando a política nos partidos de Governo tradicionais (PS, PSD), ou pelo contrário, levar a que futuras maiorias apenas se formem com recurso ao apoio dos radicais, o que corrói o centro e torna difícil a governabilidade e a alternância ou, noutras palavras, compromete a continuidade do Regime tal como o conhecemos e exigirá uma reforma urgente do sistema eleitoral que temos.
A oposição à direita, por seu lado, enfrenta agora desafios de liderança como é normal, depois de terem permitido a sua fragmentação e não terem conseguido convergir numa aliança que teria evitado uma perda tão significativa de deputados.
Assunção Cristas abandonou um CDS/PP que deixou de ter quadros, reduzido a um vazio ideológico e ameaçado pelo discurso à direita do ‘Chega’, mas sobretudo, pela Iniciativa Liberal que beneficiou de um marketing surpreendente e da ideia de um partido centrista de quadros, como era o antigo CDS. (Aparentemente, já só Paulo Portas pode salvar o CDS se decidir voltar antes das próximas legislativas).
No PSD as coisas são diferentes pelo simples facto (1) da transferência de votos dentro da esquerda e o método de Hondt explicarem a maioria e o número de deputados do PS, respetivamente, e (2) de ter ficado claro que o fenómeno de hegemonização do Regime Político pelo PS não se verifica.
Esta clarificação permite manter o PSD como o eixo principal da alternativa política aos socialistas.
E a leitura é evidente. É isto que está em jogo nas diretas internas do PSD e que Rui Rio e Luís Montenegro disputam: a escolha daquele que estará em melhores condições para liderar a oposição e ser, depois, primeiro-ministro de Portugal, sabendo que, entretanto, ainda pode perder as autárquicas.
* Professor Universitário