No último verão, durante uma missa dominical em Portimão, ficou-me na memória uma excelente homilia do pároco da igreja matriz, Dr. Mário Sousa que ao falar para a assembleia, utilizou uma expressão reveladora da nossa gratidão a Deus, convidando-nos a acompanhá-lo neste seu sentimento: «Obrigado por seres quem És!».
Esta expressão, apesar de ter sido proferida num contexto muito particular e entendida apenas por quem tem Fé, deixou-me inquieto e pensativo. Em termos teológicos não me atrevo sequer a discuti-lo, tanto mais que subscrevo tudo o que lá ouvi, porém, se quiser adaptar este pensamento a outras áreas fora do campo religioso, tenho mais a acrescentar, principalmente se quiser entrar na minha esfera profissional.
Hoje em dia, a experiência diz-me que são poucos aqueles que aceitam ser quem são e que gostam de ser como são. A cultura do mais e do melhor instalou-se no espírito das pessoas, de tal modo, que já quase ninguém se conforma com os problemas próprios do avanço da idade. A tentativa desesperada de andar para trás, tornou-se uma constante nos nossos dias, e de nada valem os conselhos médicos de que é fundamental aceitarmo-nos como somos.
A mudança de sexo é já uma realidade com a qual passámos a conviver. As cirurgias estéticas, apesar do seu elevado custo, não param de aumentar e a prática regular do exercício físico por nós recomendada, é mais aproveitada no sentido estético do que na promoção da saúde.
Tudo isto se aplica aos vários setores, muito por culpa da pressão exercida por esta sociedade feroz, como é visível na comunicação social, em especial na designada ‘imprensa cor de rosa’.
Olhemos, por exemplo, para o caso das grávidas. A gravidez tem que obedecer a certas ‘regras sociais’ sob pena de, publicamente, ser logo criticado e apontado o dedo ao mau comportamento da futura mamã que transgrediu nisto e naquilo o que era suposto ser cumprido.
Depois, logo após o parto, há que recuperar rapidamente a antiga forma física, não se perdoando a quem demorar mais algum tempo a atingir esse objetivo. O termo ‘gorda’, é hoje considerado ofensivo, e, nalguns grupos etários, em especial nas jovens, pode trazer consequências irreparáveis. Na minha clínica já me cruzei, por diversas vezes, com casos (patológicos) de anorexia e posso testemunhar o sofrimento, a depressão e a angústia que perseguem estes seres humanos, sabe Deus por quanto tempo…
Por outro lado, não é fácil implementar medidas não farmacológicas junto dos doentes para tratamento de certas patologias pois, em primeiro lugar, dá-se mais importância à voz da sociedade do que aos conselhos médicos! E ninguém se iluda: Prevenção é uma coisa e tentar evitar o inevitável é outra! Prevenir, está ao nosso alcance e é nossa obrigação cumpri-lo, o que não é possível evitar, temos de o aceitar.
Dei apenas alguns exemplos (e muitos mais poderia aqui citar) que têm por denominador comum não nos aceitarmos quem somos, nem como somos, mas é preciso combater esta tendência. A vida é mesmo assim e tem a sua beleza própria em todas as fases. Não vale de nada lutar contra a natureza, pois há limites para tudo e será sempre uma ‘guerra’ perdida. Tenhamos particular atenção no tocante à educação dos mais novos, ensinando-os a distinguir uma coisa da outra e a libertarem-se e a defenderem-se das regras predefinidas de uma sociedade impiedosa e cruel.
Para quem tem Fé (e salvo o devido respeito por todas as crenças religiosas), volto novamente ao apelo lançado pelo Dr. Mário Sousa. Nesta caminhada para o Pai, aceitemos o que Ele nos dá, vivendo tranquilamente o dia-a-dia. Se me é permitido, uma vez que partilho os mesmos valores, também quero dizer: «Obrigado por seres quem És!».