Ocalifa morreu, longa vida ao califa». Poderia ter sido este o anúncio do Estado Islâmico (Daesh), quando admitiu a morte do seu fundador, Abu Bakr al-Baghdadi, nomeando também o seu sucessor, o até aqui desconhecido Abu Ibrahim al-Hashemi al-Qurash. Os analistas notam que até agora esse nome não tinha surgido no radar das forças de segurança global, e apontam que deverá tratar-se de um nome de guerra. Mas o que é certo é que o Estado Islâmico está a tentar recuperar da morte do seu líder, que não podia ter surgido numa altura pior: após a destruição do seu proto-Estado na Síria e no Iraque – enquanto boa parte dos seus combatentes na região estão em fuga ou foram capturados.
Apesar das sucessivas derrotas, o Estado Islâmico ainda terá 14 mil a 18 mil membros na Síria e Iraque, incluindo até 3 mil estrangeiros, segundo um relatório dos Estados Unidos, citado pela BBC. Mas talvez o grande perigo que o grupo ainda coloca sejam as filiais internacionais que estabeleceu, da África Oriental ao Sudeste Asiático, com um modus operandi comum: «Explorar as oportunidades providenciadas pelo instabilidade, fraca governação e pelo sectarismo», escreveu Colin Clarke, investigador do Centro Internacional para o Contra-Terrorismo.
Além disso, esta rede terrorista internacional tem a vantagem de manter parte residual da fortuna acumulada pelo Estado Islâmico: sobram-lhes até 300 milhões de dólares (cerca de 270 milhões de euros), segundo uma estimativa recente das Nações Unidas. Algo que permite ao grupo terrorista manter uma sofisticada máquina de propaganda online, que pode incentivar ataques de retaliação pela morte de al-Baghdadi. Em particular por parte dos chamados ‘lobos solitários’, indivíduos radicalizados através da internet, um pouco por todo o mundo – e França já avisou os seus cidadãos para estarem de sobreaviso.
De volta à guerrilha
Agora, fica em aberto se as filais do Estado Islâmico se afastarão da liderança central, devido à falta de uma liderança carismática, como aconteceu à Al Qaeda após a morte de Osama bin Laden, em 2011. Se este cenário pode levar ao enfraquecimento do grupo terrorista, devido a disputas internas, também pode levar ao nascimento de novas organizações, ainda mais brutais e radicalizadas – foi esse o caso do Daesh, fruto da filial iraquiana da Al Qaeda (ver b,i.).
Contudo, importa notar que já antes da morte de al-Baghdadi o Estado Islâmico tinha começado a adaptar as suas táticas – que misturavam ataques suicidas com táticas convencionais – reagindo à perda do seu território. Já em maio a Reuters noticiou que a revista online do grupo, a al-Naba, publicou uma série de manuais detalhados sobre táticas de guerrilha – que eram até então a imagem de marca da Al Qaeda.
Liderança central
Muito dependerá do sucessor de al-Baghdadi, sobre o qual se sabe ainda muito pouco – o Estado Islâmico ainda nem revelou uma foto do seu novo líder. O anúncio da sucessão foi feito através de um dos meios de comunicação do grupo, na aplicação Telegram. E o grupo apenas revelou que se tratará de um veterano, que à semelhança de al-Baghdadi também reivindica ser descendente da tribo de Maomé, os Quraysh. Algo que hoje em dia a maioria dos teólogos sunitas não vê como relevante, mas que era considerado por alguns teólogos sunitas pré-modernos como requisito fundamental do califa – ou líder da ummah, a comunidade muçulmana.
Além disso, o Estado Islâmico também reconheceu a morte do anterior porta-voz do grupo, Abu al-Hasan al-Muhajir, abatido numa operação conjunta entre as forças curdas e norte-americanas, a 27 de outubro, no dia seguinte à morte de al-Baghdadi.
O novo porta-voz, Abu Hamza al-Qurayshi, apelou aos apoiantes do Estado Islâmico para que cumpram com o último pedido do seu anterior líder: tentar libertar os combatentes encarcerados na Síria e no Iraque. O que poderá ser facilitado pela ofensiva turca contra as forças curdas – que têm dezenas de milhares de jihadistas sob custódia – e que indica um esforço para manter a legitimidade do grupo centrado na região.