Durante a discussão do Programa do XXII Governo Constitucional, o maior Governo da nossa democracia enfrentou as primeiras dificuldades ao tentar encaixar o primeiro-ministro e os seus 19 ministros no espaço físico previsto no hemiciclo para o efeito. Ultrapassado este obstáculo, António Costa abriu o debate com a confirmação que irá continuar a política de gestão do quotidiano para manutenção do Partido Socialista no poder, em continuidade com os últimos quatro anos.
Sobressaem duas apreensões desta programada estagnação nacional.
A primeira apreensão vem do modo como está apresentado o desafio estratégico ‘construir uma sociedade digital’. Constatamos que os nossos governantes, agora eleitos, ainda não perceberam que, em Portugal, já vivemos numa sociedade digital, e que quem está a ficar para trás nesta transição é a própria administração pública. Não são as empresas e muito menos a comunidade científica. As empresas, particularmente as lideradas por espíritos empreendedores que não dependem de contratos com o Estado, absorvem rapidamente qualquer inovação que possa otimizar recursos e melhorar a eficiência. Precisavam que o Estado fizesse o mesmo, para que a burocracia que lhes cai diariamente em cima fosse mais ágil, eficiente e transparente. Desta modernização resultaria uma provável redução de necessidades de recursos humanos na função pública; no entanto, o que se prevê no programa do Governo é um aumento significativo de funcionários públicos. O grande desafio da transição digital é laboral e fica por responder: como defender os direitos do trabalhador sem promover a perenidade de postos de trabalhos obsoletos?
A segunda apreensão é a certeza que este será um governo para lançar obras públicas. O primeiro-ministro disse, e o ministro da Economia repetiu, que teremos 10 mil milhões de investimento público distribuídos por hospitais, habitação e mobilidade. A apreensão nasce do receio de se tornar prática comum o modelo de contratação pública desenhado pelo anterior governo para o Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado (FNRE). O FNRE foi criado pelo Conselho de Ministros, em 2016, para permitir que todo o programa habitacional, orçamentado em 1400 milhões, seja gerido pela Fundiestamo, não sendo obrigado a seguir as regras da adjudicação pública do Código dos Contratos Públicos. Se hoje sabemos que criar exceções às leis que nos regem é abrir as portas à corrupção, porque razão insistem neste caminho?
Nesta previsão de um Governo que, por um lado não segue o Código dos Contratos Públicos e por outro lado, aumenta o funcionalismo público, apesar da modernização digital, o grande ausente dos objetivos estratégicos é o crescimento económico assente nas exportações e na fixação de talento. Algum dia virá um Governo para se preocupar com a criação de riqueza. Até lá continuaremos com este Governo, de joelhos e mão estendida a discutir acesamente como distribuir os fundos que entram da Europa, sem vislumbrar o que poderia acontecer se as pessoas com ambição não tivessem de emigrar para serem mais.