O ar cheira a folhas queimadas em torno de Nova Deli, a cidade mais poluída do mundo, contou à CNN Siddharth Singh, morador de Noida, na periferia da capital. O fumo da época de queimadas juntou-se às emissões do tráfego automóvel e da indústria, potenciados pelas baixas temperaturas, que mantêm a poluição próxima do solo, o chamado smog. “A vida no smog é muito estranha”, explicou Singh. “Muitas pessoas têm uma tosse seca persistente e comichão nos olhos. Fica tudo turvo, os olhos não se focam em objetos distantes”.
A situação ficou tão grave que os habitantes de Nova Deli acordaram esta segunda-feira com níveis recorde de partículas no ar, quase 25 vezes superiores ao considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, quase seis vezes o valor registado em Pequim – uma cidade conhecida pela sua poluição, mas que tem melhorado nos últimos anos. “Estamos a ver um grande número de casos de grave falta de ar, tosse, espirros e bronquites devido ao smog”, afirmou ao India Tribune o médico alergologista Sanjiv Sharma, que alertou que os mais vulneráveis são crianças e idosos.
Mas talvez os efeitos mais graves sejam a longo prazo. “Uma criança nascida ontem em Nova Deli teria fumado o equivalente a 40-50 cigarros no seu primeiro dia de vida”, assegurou à Bloomberg Arvind Kumar, pneumologista no Hospital Sir Ganga Ram, na capital indiana. “Um estrago silencioso está a acontecer no interior do nosso corpo”, aumentando o risco de AVC, doenças cardíacas e cancro do pulmão, explicou.
Face a isto, as autoridades declararam uma crise de saúde pública, pedindo que os cidadãos evitem sair à rua ou fazer exercício. Milhões de máscaras foram distribuídas, as escolas fecharam, os trabalhos de construção pararam. Os voos foram cancelados e o tráfego automóvel está limitado: num dia podem andar veículos com matrículas pares; noutro, veículos com matrículas ímpares.
Contudo, já não é a primeira vez que o executivo de Nova Deli tenta o controlo de tráfego por matrículas. Fê-lo duas vezes em 2016, mas em nenhum dos casos houve uma mudança significativa dos níveis de poluição, segundo uma análise do India Today, usando dados do Ministério do Ambiente indiano.
“Batata quente”
“Estão todos interessados em truques e eleições”, acusou ontem Arun Mishra, juiz do Supremo Tribunal da Índia, acrescentando: “A máquina do Estado não está a funcionar. Estão a passar a batata quente de uns para os outros”.
O juiz referia-se à disputa entre o executivo de Nova Deli e os responsáveis dos estados circundantes – Punjab e Haryana –, onde estarão a acontecer boa parte das queimadas. “Os habitantes de Nova Deli estão a sofrer sem que seja culpa deles”, tweetou Arvind Kejriwal, chefe do executivo da capital, afirmando que a cidade se tornou uma “câmara de gás”.
Se esta altura do ano se transformou numa espécie de estação da poluição na região foi, em parte, pelo falhanço das medidas para impedir queimadas – um meio fácil e barato de limpar os campos –, por exemplo, subsidiando equipamento aos camponeses mais pobres. Não ajuda que o início do ciclo agrícola coincida com o Diwali, o festival hindu das luzes, quando o céu noturno de Nova Deli se ilumina com centenas de milhares de foguetes, deixando atrás de si um rasto de fumo. E apesar de o Supremo Tribunal ter proibido a maior parte dos fogos-de-artifício no festival, devido à poluição, muitos não acataram a decisão.