O campeonato de Inglaterra é de uma riqueza de fazer inveja à rainha do Sabá, lugar de soberbas opulências que ninguém sabe ao certo apontar no mapa onde, tal as falhas geográficas dos Evangelhos, da Torá e do Corão, para aí entre as atuais Etiópia e Arábia Saudita, ou algo assim. Ter, como amanhã acontece em Anfield, o campeão da Europa frente a frente com o campeão da Grande Ilha para lá da Mancha é de um requinte principesco. E fará com que toda a gente que gosta de futebol se bata por um lugarzinho, por pequeno que seja, em frente a um ecrã de televisão para ver o embate entre as que são, neste momento, muito provavelmente, como diria um célebre reclamo, as duas melhores equipas do universo.
Entre Liverpool e Manchester a rivalidade é feroz. Das cidades falo. Todos sabemos que, em questão de futebol, a hostilidade mais dura é entre Liverpool e outro Manchester, o United. Afinal os dois clubes que mais devoradores de títulos de campeão: 18 para o Liverpool e 20 para o United.
Mas o tempo trouxe nova realidade. O City encavalitou-se nos milhões vindo dos Emirados, do Abu Dhabi, e atirou com o seu vizinho para uma incomodativa posição secundária na cidade. Ainda por cima correspondendo a uma queda aflitiva em termos competitivos que afastam os Red Devils da batalha pelo topo da classificação. Desde 2011, o Manchester City foi campeão quatro vezes, algo impressionante para quem, desde 1888-89 (época do início da Liga Inglesa) só tinha conseguido duas. E que é tão impressionante como o jejum incompreensível do Liverpool que não sabe o que é ser campeão inglês há trinta anos (1989-90), a despeito dos seus brilhantes sucessos europeus.
Megalopolis
Manchester e Liverpool são duas cidades tão próximas que alguns dos seus arrabaldes se confundem, como nos casos de Peack District ou Accrington Urban Area. Os britânicos gostam de lhe chamar Megalopolis. Uma área metropolitana que engloba cerca de seis milhões de habitantes e cujos centros habitacionais e industriais estão ligados por uma autoestrada e por um canal que vieram permitir o escoamento das produções feitas em Manchester para o porto de Liverpool e daí para qualquer lugar do globo.
Quanto às guerras entre Liverpool e City, há que dizer que são recentes e não se perdem como outras no olvido da memória. O estilo diferenciado dos dois treinadores que elevaram um e outro a um patamar de excelência no futebol atual, Jürgen Klopp e Pep Guardiola, contribui para uma emulação que não deixa, por isso, de ser saudável, até porque ambos são formados numa escola de indiscutível fair-play.
É preciso recuar muito no tempo para encontrarmos um ombro a ombro como o de agora entre City e Liverpool. À época de 1967-68, na qual o Manchester City, comandado por uma dupla técnica formada por Joe Mercer e Malcolm Allison – que se instalaria em Portugal uns anos mais tarde – terminou a prova no primeiro posto, com 58 pontos em 42 jornadas, mais dois do que o United e mais três do que o Liverpool. Dois empates marcaram os jogos entre ambos, 0-0 no então Maine Road e 1-1 em Anfield.
Não sou um adepto das estatísticas que têm a tendência para tornar o futebol numa grandessíssima estucha, como diria o Alencar do divino Eça. Mas, num momento em que segue na frente da classificação com seis pontos de avanço sobre o seu mais forte rival nesta corrida que tem tudo para ser, como na época passada, a dois, o Liverpool pode usar os números a seu favor já que em 85 partidas em casa só sofreu 13 derrotas face ao City. 49 vitórias e 23 empates dão clara ideia de uma superioridade em Anfield. E ajunte-se-lhe a forma como na última edição da Liga dos Campeões os scousers resolveram a eliminatória com a maior das facilidades, 3-0 em Anfield e 2-1 nos Emirates.
Claro que nisto de vidas uefeiras conta muito a estaleca e a história dos clubes. É, de certa forma, um mundo à parte. Lá na ilha que deixa o continente isolado sempre que há nevoeiro sobre a Mancha, o assunto é mais renhido. Ainda há pouco, Liverpool e City empataram 1-1 em Wembley, para a Comunity Shield, a Supertaça caseira, saindo o Manchester vencedor apenas no desempate por grandes penalidades.
O primeiro!
O futebol tem este sortilégio de, volta e meia, criar novas rivalidades. O futebol e o dinheiro. Durante décadas e décadas parente pobre do Manchester United, não se despreze, no entanto, a firmeza com que o City se manteve ferozmente amarrado às suas ambições. Sendo um dos clubes fundadores do campeonato inglês, nesse tempo com o nome de Ardwick Association Football Club, tem 91 temporadas de I Divisão, 25 na II e uma na III.
Foi com esse nome de Ardwick que defrontou pela primeira vez o Liverpool, em 1893, no Hyde Road Stadium de Manchester, perdendo por 0-1 graças a um golo de James Stott, aos 80 minutos. Vejam, por este episódio, como são antigos os jogos entre os dois galos que se têm instalado no poleiro do futebol em Inglaterra.
O primeiro embate já com a designação de Manchester City teve lugar no dia 1 de janeiro de 1896, em Anfiel: 3-1 para o Liverpool. Já a estreia para o campeonato inglês deu-se em 28 de outubro de 1899, novamente em Hyde Road, vitória dos vermelhos por 1-0.
Foi preciso esperar por Outubro de 1903 para encontrarmos a primeira vitória do City sobre o seu adversário em questão: um emocionante 3-2 em Manchester perante mais de 30 mil espetadores. E só três anos mais tarde se repetiria a façanha (1-0 fora), pondo um ponto final num início de confrontos que foi dominado por completo pela equipa da cidade onde se faz um popular guisado muito apreciado pelos velhos marinheiros, o lobscouse, que viria dar a alcunha aos que também são conhecidos por ‘liverpudlians’.
Amanhã, às 16h30, para a 12.ª jornada, o City vai a Anfield e o jogo pesa-lhe bem mais nas costas do que à equipa de Klopp. Ao fim ao cabo corre o risco de sair de lá com nove pontos a menos do que o Liverpool. É bem verdade que na época passada foi capaz de recuperar sete para terminar à frente. Mais um motivo para este ser um jogo de cartaz!