Espanha. Iglesias junta-se a Sánchez à procura de maioria

Enquanto os dois líderes se abraçavam a polícia francesa e espanhola removia independentistas das autoestradas. Falta ao PSOE e ao Unidas Podemos o apoio dos independentistas catalães.

Negociaram durante seis meses e não se entenderam. Mas ontem o primeiro-ministro espanhol em funções, Pedro Sánchez, e o líder do Unidas Podemos, Pablo Iglesias, selaram o seu pré-acordo de Governo com um abraço apertado. Um encontro que quer “desbloquear a situação em Espanha”, com ambos os partidos a abdicar dos seus vetos. Após a repetição das eleições de abril, no domingo passado, o novo Parlamento ainda está mais fragmentado: se uma coligação entre o PSOE e Unidas Podemos tinha tudo para conseguir maioria, hoje isso não é certo.

“O que em abril era uma oportunidade histórica, converteu-se numa necessidade histórica”, declarou Iglesias. A rutura das negociações foi pela recusa de Sánchez a uma coligação com o Unidas Podemos, preferindo uma espécie de geringonça. Ou seja, ter o apoio parlamentar da esquerda, sem a ter no Governo. Agora, Iglesias até conseguiu que os socialistas aceitasse uma das suas principais exigências, torná-lo vice-primeiro-ministro.

Segundo Iglesias, a possível coligação “combina a experiência do PSOE com a valentia de Unidas Podemos”. Ou seja, optando “pelo diálogo para enfrentar a crise territorial” – leia-se, as reivindicações de independência da Catalunha – e lutando “pela justiça social como a melhor vacina para o crescimento da extrema-direita”, uma referência ao brutal crescimento do Vox, que mais que duplicou os seus deputados. “Sabem que o acordo que hoje apresentámos não foi possível após as anteriores eleições”, reconheceu Sánchez. “Estamos conscientes da deceção que isso foi entre os eleitores progressistas”. 

 

Entretanto, Catalunha “Naturalmente, este acordo nasce com o propósito de abrir-se a outras forças políticas”, declarou o primeiro-ministro. Algo necessário para que seja possível, dado que o PSOE e o Unidas Podemos têm apenas 155 deputados – longe dos 176 que precisam para uma maioria. Como em abril, um “Governo progressista” dependerá do apoio de partidos independentistas, mas desta vez será mais complicado. O que mudou foi o terramoto político da condenação de nove líderes catalães a um total de mais de cem anos de prisão – e o caos que se seguiu na Catalunha.

Enquanto Sánchez e Iglesias anunciavam o pré-acordo, as forças policiais francesas e espanholas detinham dezenas de manifestantes, que cortaram as autoestradas entre os dois países, com cartazes exigindo que Madrid se sentasse à mesa de negociações. Entretanto, o movimento Tsunami Democrático convocou mais cortes em autoestradas, enquanto os Comités de Defesa da República (CDR) apelavam a mobilizações em Barcelona e Tarragona.

 

Contas difíceis Por agora, Sánchez e Iglesias podem contar com os três deputados do Mais País, liderado por Iñigo Errejón, resultado de uma cisão do Unidas Podemos. Também não será difícil conseguir o apoio dos independentistas bascos. O Partido Nacionalista Basco (PNV), que tem sete deputados, já se disponibilizou a negociar, e os cinco deputados do Euskal Herria Bildu (EH Bildu) poderão fazer o mesmo – mas ainda ficariam a faltar seis deputados.

O grande problema é que nem a Esquerda Repúblicana Catalã (ERC), com treze deputados, nem o Juntos pela Catalunha (JxCat), que tem sete, estão satisfeitos. “Enquanto haja presos, exilados, alvos de represálias e não se possa falar do direito à autodeterminação, nós não investiremos Pedro Sánchez”, respondeu Laura Borràs, porta-voz do JxCat.

O ERC também recusou, mas deixou a porta entreaberta. “De momento a nossa resposta é um não”, disse a sua porta-voz, Marta Vilalta, que se queixou que o PSOE nem os contactou. “A nossa proposta é muito clara: queremos o reconhecimento de um conflito político”, explicou. Algo lido como negociações em que se possa discutir a possibilidade de independência – impensável para o PSOE.

 

À direita Sánchez vai consultar os restantes partidos, incluindo a direita, mas desse lado não há solução à vista. É impossível um Governo apoiado apenas pelo Unidas Podemos, PSOE e Ciudadanos; têm um total de apenas 165 deputados. E juntando o Ciudadanos à equação, afasta-se os independentistas: os centristas têm uma posição ainda mais dura em relação à Catalunha que o PSOE.

Em reação ao pré-acordo, o Ciudadanos, fragilizado pela demissão do seu líder, Albert Rivera, após perder de 47 dos seus 57 deputados, recusou de imediato – pediu um acordo alternativo, que envolva o Partido Popular (PP). Como seria de esperar os populares também recusam qualquer coligação que envolva Iglesias. “Um Governo radical é a última coisa que a Espanha precisa”, lamentou o seu líder, Pablo Casado. Fica liberto da pressão para se abster na tomada de posse de Sánchez. “Para essa viagem não é preciso bagagem”, sumarizou.