O desfile só começa às 14h, mas de manhã as ruas já se enchem de vermelho e branco – duas bandeiras polacas por cada poste de luz, bancas a vender flores vermelhas e brancas, cachecóis e coroas de flores. E toda a gente traz consigo o símbolo nacional de alguma maneira ou feitio: crianças, muitas vezes em carrinhos bebés, estudantes, idosos, adolescentes, mulheres. Um dos símbolos mais comuns que as pessoas carregam é o emblema de Kotwica, que representa a resistência contra a ocupação Nazi. O ambiente é de festa e de alegria. E durante o desfile, não é raro vermos gente de todas as cores e feitios a puxarem do pulmão para gritar: «Deus, honra e pátria mãe!».
A Marcha da Independência da Polónia, dia 11 de novembro, é uma das maiores demonstrações de extrema-direita do mundo. Este ano juntou entre 40 e 150 mil pessoas – os números variam consoante as estimativas venham das autoridades ou da organização. As imagens mediáticas do evento normalmente levam-nos a crer que o desfile é composto por hooligans, grupos de extrema-direita organizados, e outros jovens radicais das margens da sociedade. Mas existem indicações do contrário.
«Há jovens radicais, mas estão à volta de 20%, entre os 18 e os 25 anos. A idade média está à volta dos 40 anos. Há pessoas que ganham o dobro da média de rendimentos na Polónia», afirma a investigadora do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências Polaca Malgorzata Lukianow, que estudou a composição de pessoas da Marcha da Independência do ano passado: «Há pessoas altamente escolarizadas: um em cada dois manifestantes tem um nível académico superior. Alguns deles eram mesmo doutorados».
‘Classe média radical’
Duas horas antes de o desfile começar já se ouvem petardos a rebentar. Chega-se à rotunda Dmowski, ao lado do Palácio da Cultura, coração de Varsóvia, e começa a ver-se muitos participantes de roupa preta – juntamente com centenas de bandeiras da Polónia. Reza-se, numa missa informal. Os símbolos antissemitas não são raros, no entanto a narrativa política centra-se no ataque aos direitos LGBT e contra o aborto. Quando nos deslocamos para a zona onde está o Campo Radical Nacional, um dos grupos que organizam a marcha, as caras tapadas com lenços negros multiplicam-se: tal como a roupa preta que os participantes vestem. Estão a rezar em voz baixa. Batem as 14h, acendem as tochas vermelhas e cantam o hino em uníssono. «Deus, honra e pátria mãe!». Gritam no final do hino: «A Marcha da Independência vem aí!». O fumo é tanto que nem se vê o Palácio da Cultura, cujo edifício tem 237 metros de altura. E os petardos começam a rebentar com cada vez maior frequência.
Mas quando nos deslocamos para a frente da marcha, não são os grupos organizados de extrema-direita, hooligans ou jovens radicais que saltam à vista. «São uma classe média radical», apontou Lukianow. «Não é raro ver especialistas, gerentes, administradores, os trabalhos típicos da classe média». A meio do desfile, na avenida Jerozmlimsli, toda a gente grita a cada cinco minutos: «Deus, honra e pátria mãe!». Ou: «Nós, polacos». A certo momento, alguém pendura uma bandeira contra os direitos LGBT e com a estrela judaica num edifício – a maior parte das pessoas aplaudem. Os símbolos religiosos são uma constante, tal como cartazes com imagens fortes contra o aborto. Ao longo da marcha, gritos contra «a ocupação judaica», cânticos a dizer que vão «enforcar comunistas nas árvores» ou que os «pedófilos são entusiastas da esquerda» começam a ouvir-se com maior frequência. À beira do desfile, um casal com um carrinho de bebé tira uma fotografia com a tocha vermelha.
«É um fenómeno interessante. Muitas pessoas participam, famílias (muitas delas jovens) vão com as suas crianças. São pessoas que tendem a ter visões conservadoras e de direita», diz ao SOL Piotr Janiszewski, coordenador de projetos da Fundação Rosa Luxemburgo na Polónia. «Durante muitos anos não houve uma fórmula para celebrar o dia da Independência. Começou como um evento marginal, muito agressivo. Mas a certa altura começou a atrair muitas pessoas […]. Há muita gente que sente a necessidade de ir marchar com a bandeira polaca e expressar o seu patriotismo».
‘Uma demonstração de felicidade’
Por sua vez, Lukianow indica que a grande maioria dos participantes têm um emprego estável, contratos duradouros, uma posição social e económica acima do comum, defendem o libertarianismo económico (uma versão radical do liberalismo) e têm visões antimigração. «A média nacional de rendimento é de 2500 zlótis [584 euros]. Na Marcha da Independência é de 4 mil zlótis [935 euros]», afirma.
«Claro que é mais dramático [a comunicação social] mostrar aquelas bandeiras vermelhas, o fumo vermelho e hooligans com máscaras e faixas muito controversas.E estão lá. Mas se olharmos para o cenário macro, eles simplesmente também fazem parte. Uma parte que se faz sentir, mas uma parte mais pequena, uma minoria».
Dos participantes que abordamos, nenhum nos revela o último nome. Daniel, 44 anos, mostra agrado pela marcha ter sido participada por mais famílias este ano. «Uma ocasião para celebrar», enquanto a família acena ao seu lado, concordando com o que diz. Weronika, 58 anos, afirma não ter testemunhado nenhum tipo de discurso de ódio. «Vejo isto como uma demonstração de felicidade».