São mais de uma dezena os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), que investiga os crimes económico-financeiros mais complexos, que vão sair já no início de janeiro. Com o fim da comissão de serviço – até aqui era de um ano, agora passa a ser de três anos – são pelo menos 12 os magistrados que deverão abandonar o edifício da Rua Gomes Freire, sendo colocados outros magistrados no seu lugar. A mudança representa um terço dos procuradores (o DCIAP tem menos de 40 magistrados) e é uma das maiores danças de cadeiras a que o departamento já assistiu.
Uma das saídas mais sonantes é a do procurador Vítor Magalhães, o conhecido magistrado que teve em mãos, por exemplo, o caso Tancos, juntamente com João Valente, que também está de saída (ver texto ao lado). Mas há mais: Lígia Salbany, Sílvia Gaspar, Patrícia Barão, Maria Manuel Cachim, Susana Figueiredo, Fátima Assunção e Lígia Fernandes são alguns dos nomes que terminam funções no DCIAP. Procuradores que tiveram em mãos investigações ao hacker Rui Pinto e à corrupção no mundo do futebol, ao terrorismo e aos casos de corrupção mais mediáticos.
Os procuradores de saída
Lígia Salbany investiga o caso das Parcerias Público Privadas adjudicadas pelo Governo de José Sócrates, no âmbito do qual a magistrada chegou a querer constituir arguidos os ex-ministros Mário Lino, António Mendonça e Teixeira dos Santos, assim como os ex-secretários de Estado socialistas Paulo Campos (obras públicas) e Carlos Costa Pina – que depois de também ter tido a pasta das obras públicas passou para a administração da Galp Energia. Segundo a biografia disponível no site da Galp Energia, também já exerceu «funções em empresas de tecnologia, media e telecomunicações, imobiliário e serviços do grupo Ongoing (Portugal e Brasil)». De acordo com a investigação o Estado terá sido prejudicado em perto de 466 milhões de euros nas renegociações das concessões das SCUT feitas há nove anos e ainda em 3,1 mil milhões no que toca à renegociação dos contratos de subconcessão.
O SOL questionou a PGR esta quinta-feira sobre se os antigos governantes já tinham sido constituídos arguidos, tendo o órgão máximo do Ministério Público respondido ontem que o caso ainda se encontra em investigação e «não tem arguidos constituidos».
Já Sílvia Gaspar foi a magistrada que investigou, por exemplo, um diplomata amigo do primeiro-ministro, Bernardo Lucena, por alegadamente ser o principal suspeito num caso de corrupção de vistos portugueses em Cabo Verde – o caso acabou com o MP a perceber que estava a ser enganado por um denunciante e que Lucena nada fizera de errado. Aliás, contra o denunciante acabou por ser extraída uma certidão por suspeitas de denúncias caluniosas.
Patrícia Barão também esteve em processos muito delicados, como é o caso da operação Fizz, que envolvia um ex-procurador do DCIAP e o poder político angolano, nomeadamente o ex-vice-presidente Manuel Vicente. No ano passado foi noticiado que esta magistrada passara a fazer parte de uma task force para a investigação de corrupção no mundo desportivo – como os e-mails do Benfica e o caso dos vouchers.
Maria Manuel Cachim teve, por exemplo, a seu cargo a investigação do universo BPN relativa à compra dos terrenos da Herdade de Rio Frio, financiada por aquele banco, a qual foi arquivada em 2017. A magistrada Susana Figueiredo foi quem, há quatro anos, acusou os arguidos do caso Vistos Gold, entre eles o ex-ministro Miguel Macedo. Fátima Assunção esteve na investigação ao grupo GPS e Lígia Fernandes investigou Lalanda e Castro.
No DCIAP ficam, no entanto, procuradores como Rosário Teixeira, que teve em mãos a investigação a José Sócrates, e José Ranito, que investiga o caso BES.
Substituídos por mais jovens
Ao SOL, algumas fontes do MP explicaram que são várias as razões que estão na base de tantas saídas. E, em alguns casos, terão mesmo sido os próprios procuradores a querer sair, ou por não quererem renovar por mais três anos a comissão de serviço, ou por não estarem minimamente satisfeitos com o caminho que está a ser trilhado desde que Albano Morais Pinto tomou posse como diretor daquele departamento de elite do Ministério Público, em janeiro deste ano.
O Procurador-Geral Adjunto foi nomeado por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público de 10 de janeiro de 2019, sucedendo a Amadeu Guerra. Inquéritos a procuradores e divergências internas estão na base de algum mal-estar desde a saída do anterior diretor.
Segundo o SOL apurou entre o grupo de magistrados que iniciará funções no próximo mês de janeiro – entrarão mais quatro do que os que saem – estão alguns procuradores com experiência, mas também outros mais novos e, por isso, com uma menor bagagem no que toca à investigação criminal. De entre as entradas, destacam-se José Ramos, que já esteve no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, e os procuradores adjuntos David Aguilar e Ricardo Lamas.
A escolha destes magistrados esteve em grande medida nas mãos do diretor do departamento. Segundo o art.º 123 do Estatuto do Ministério Público, «o provimento dos lugares de procurador da República no Departamento Central de Investigação e Ação Penal efetua-se, de entre três nomes propostos pelo procurador-geral-adjunto com funções de direção e coordenação, de entre procuradores da República com classificação de mérito».
PGR e DCIAP em silêncio
Ainda segundo o estatuto existem dois fatores relevantes: «a) Experiência na área criminal, especialmente no respeitante ao estudo ou à direção da investigação da criminalidade violenta ou altamente organizada; b) Formação específica ou a experiência de investigação aplicada no domínio das ciências criminais».
E se até aqui as comissões de serviço eram anuais, a partir de agora passam a ser de três anos. «O cargo a que se refere o número anterior é exercido em comissão de serviço, por três anos, renovável mediante parecer favorável do diretor do departamento».
O DCIAP tem muita exposição mediática por ser responsável por grandes investigações, como a do caso que envolve José Sócrates, a de Tancos e a que visa o Universo GES/BES. Mas são várias as competências e muitos os processos que passam longe dos holofotes. Cabe ao DCIAP investigar crimes contra a paz e a humanidade, crimes de terrorismo, de tráfico de droga, de corrupção e branqueamento. Além disso, tem como atribuições a investigação de crimes contra a segurança do Estado, de fraudes na obtenção de subsídio e ainda de infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
O SOL questionou ontem o gabinete da Procuradora-Geral da República, Lucília Gago, sobre esta saída de procuradores do departamento de elite do MP, não tendo recebido qualquer resposta até à hora de fecho desta edição. Também o email enviado para o DCIAP, solicitando uma posição do diretor daquele departamento, Albano Morais Pinto, não teve qualquer resposta.