SOL encontrou azulejo roubado à venda por 200 euros na Feira da Ladra

O roubo de azulejos tem aumentado e estas peças de cerâmica multiplicam-se pelas feiras e antiquários. Na última terça-feira, estava à venda na Feira da Ladra um azulejo roubado do Museu da Cerâmica em 2010.

Os azulejos estão a desaparecer das paredes de Lisboa – sejam elas interiores, exteriores, de edifícios públicos ou privados. E basta um passeio pelas ruas da capital para perceber que agora o cimento é já mais abundante do que os azulejos. Aliás, difícil é encontrar uma fachada com um padrão completo. Os frutos das falhas nos edifícios, ou dos Monumentos Classificados, saltam diretamente para feiras, antiquários e vendas online. Mas a venda de alguns azulejos – pertencentes a Imóveis Classificados como Monumentos Nacionais ou de Interesse Público – é ilegal.

Na Feira da Ladra, em pleno coração de Lisboa, todas as terças-feiras e sábados se vende de tudo, incluindo os tão desejados azulejos. O SOL passeou por lá na última terça-feira e não foi preciso procurar muito para encontrar estas peças. E os preços são para todos os gostos – dos cinco aos 200 euros, ou mais, por cada azulejo.

Nesta feira, a maioria dos comerciantes que vendem azulejos, vende também pratos, livros, molduras, candeeiros e outros artigos que muitas vezes são chamadas de velharias. À exceção de uma senhora, que apenas tinha estendido um lençol com mais de 30 azulejos. Um deles, com o desenho de uma rã, consta da lista de azulejos roubados do projeto SOS Azulejo, criado pela Polícia Judiciária (PJ). Este azulejo foi roubado em 2010 do Museu da Cerâmica, nas Caldas da Rainha. Há nove anos que esta peça está desaparecida e ainda não tinha sido possível encontra-lhe o rasto. Questionada, a vendedora limitou-se a dizer o preço do azulejo – 100 euros –, recusando adiantar qual a sua origem ou data de fabrico. Ao lado deste azulejo estavam outros, como um painel com a forma de um anjo e quatro azulejos de padrão – cada um custava também 100 euros. «Já tenho antiquários atrás de mim para comprar estes azulejos, mas eles depois vendem isto por mais de 1000 euros», disse.

Ao SOL, o inspetor Domingos Lucas, da Polícia Judiciária, referiu que «não há dúvida nenhuma de que nós estamos à procura de azulejos como estes». «As pessoas têm a ideia de que nós podemos ir à feira, ou a outro sítio qualquer, e as pessoas são obrigadas a justificar a proveniência das coisas», explicou, acrescentando que quem tem de fazer essa prova de autenticidade é a própria Polícia Judiciária. Se não conseguirem, os azulejos têm de ser devolvidos. A dificuldade em apreender azulejos está exatamente aqui: é preciso provar que os azulejos que estão à venda pertencem a um determinado sítio. Só que existem centenas de azulejos iguais. «O problema é que temos azulejos desaparecidos idênticos a todos os que estão na feira e quando são vendidos avulso é muito complicado – ou estão à venda em grande quantidade, o que corresponde ao que foi furtado, ou então a resposta é sempre a mesma: ‘Isto comprei aqui na Feira da Ladra já há uma série de anos’», referiu.

Por exemplo, ao lado do azulejo do Museu da Cerâmica, estava no mesmo lençol uma quadra de azulejos Hispano-Mouriscos, cujo valor, segundo Domingos Lucas, pode chegar aos 1200 euros. Neste momento, está a decorrer uma investigação sobre o furto de centenas de azulejos iguais a estes. No entanto, há tantos iguais que é muito difícil provar que aqueles quatro pertencem efetivamente ao furto em investigação.

Na lista de azulejos desaparecidos que o SOS Azulejo disponibiliza na sua página online, constam 108 sítios de onde foram roubados azulejos – na maior parte não falta só um azulejo e chegam a ser roubados painéis completos. E os roubos vão desde 1984 até este ano. Na lista completa constam 113 edifícios, sendo que os azulejos de cinco deles foram recuperados. Por exemplo, entre janeiro e fevereiro de 2007, foram roubados mais de 100 azulejos com relevo, datados do século XVIII, da fachada de um edifício na rua do Paraíso, em Lisboa. No ano seguinte, a PJ conseguiu recuperar quatro – os restantes continuam desaparecidos.

Apesar de nos últimos anos este tipo de crime ter diminuído, este ano o número de denúncias disparou e os roubos são cada vez mais frequentes.

Controlar os roubos é tão difícil como apanhar os ladrões

As dificuldades apontadas pela Polícia Judiciária já começaram a ter repercussões na moldura penal – que, ainda assim, não são suficientes.

A legislação para proteger o património azulejar já foi alterada 13 vezes, mas continua a não englobar todas as partes dos edifícios. Ou seja, segundo a lei – cuja última alteração foi feita em 2017 –, se os proprietários de edifícios privados não classificados retirarem azulejos das fachadas exteriores durante as obras, estes são obrigados a recolocá-los, não sendo, por isso, a sua remoção definitiva. No entanto, se a remoção for feita no interior dos edifícios, aí não existe qualquer critério que impeça até a sua destruição.

Na Feira da Ladra, por exemplo, todos os vendedores explicaram que aquelas peças de cerâmica que estavam a vender foram compradas a empreiteiros exatamente nessa situação: retiraram azulejos do interior de prédios e, posteriormente, ofereceram-nos ou venderam-nos. Perante este cenário, não é possível saber de onde vieram as peças e, caso pertençam mesmo ao interior de edifícios não classificados, então nada impede a sua comercialização. E a verdade é que esses azulejos, retirados dos edifícios, são vendidos a cinco euros e multiplicam-se por todas as feiras de Lisboa e pelos antiquários.

Paulo Ferrero, do Fórum Cidadania de Lisboa, explicou ao SOL a dificuldade que existe em controlar este fenómeno em ascensão. E dá exemplos: «Aqui há tempos soubemos do desaparecimento de azulejos da Quinta de Pintéus [em Loures], mandei fotografias, mas não é classificado, é privado, é no interior, não se pode fazer nada. Depois soubemos que os azulejos joaninos foram postos à venda pelos próprios».

O Fórum Cidadania de Lisboa tem feito algumas denúncias relativamente ao roubo de azulejos pelas ruas da capital e os casos multiplicam-se. O painel azulejar da Leitaria Anunciada é outro entre muitos exemplos. O edifício pertence à EPAL (Empresa Portuguesa das Águas Livres SA) e alguns dos azulejos que ali estão já foram roubados. Em breve, vão ser feitas obras e serão removidos os azulejos, explicou Paulo Ferrero. «Primeiro, deviam ter restaurado os quatro ou cinco azulejos que faltam e que foram roubados há dois anos e, depois, deviam ter sido obrigados a fazer umas réplicas. Agora, invocam que o prédio tem de ter obras, levam os azulejos e, em vez de os restaurarem e colocá-los no lugar, ainda se dão ao luxo de dizer ao proprietário ‘esqueça lá os azulejos, porque os azulejos não são seus, são nossos e nós repomos se quisermos’», denunciou. De acordo com a lei, ainda que os azulejos pertençam ao edifício, estes estão na fachada e, por isso, terão, obrigatoriamente, de ser recolocados. «Se fosse dentro do hall de entrada, por exemplo, a PJ não podia fazer nada», acrescentou.

Junto ao Instituto Superior de Economia e Gestão existe um outro edifício cuja fachada estava coberta com azulejos Massarelos, criados na zona norte do país e característicos pelo relevo. Agora, sobram os azulejos que ficam fora do alcance das mãos de qualquer um: «Metade já foi roubado. Só não foi tudo porque os outros já estão muito para cima e só com escadote», notou o fundador do movimento cívico da cidade de Lisboa.

Já nas «fachadas dos prédios de habitação tem sido uma razia», referiu ainda Paulo Ferrero, acrescentando que «se não existirem fotografias dos azulejos, não há nada a fazer». Depois, é preciso que o roubo seja em espaço público, se for em privado tem de ser por denúncia do proprietário.