Se há uns tempos surgiu a moda da perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA), ultimamente os mais novos começaram a ficar também presos na teia do espetro do autismo. Se é mais mexido e irrequieto, «é hiperativo»; se tem dificuldades de relacionamento e comunicação, «pertence ao espetro». Estes e outros diagnósticos devem ser feitos meticulosamente, com métodos próprios, por profissionais habilitados e não levianamente por pessoas sem formação específica.
Uma criança deixar de ser criança para ser autista é grave e complicado e infelizmente assiste-se cada vez mais a esta irresponsável generalização. Mais grave ainda são algumas clínicas e profissionais peritos em distribuir diagnósticos erróneos. Ainda há pouco tempo soube de uma clínica em que os relatórios são uma folha com uma lista de patologias em que a que é atribuída se destaca a bold, sem mais explicações. Como se a criança se resumisse àquilo e a clínica fosse uma fábrica de etiquetagem.
Lembro-me de uma criança que acompanhei a quem foi atribuído o diagnóstico de PHDA e medicada em consonância. Fazia-me confusão porque não conseguia ver nela nenhum dos critérios para este diagnóstico, mas sim uma menina doce, que se sentia muito sozinha e num grande sofrimento. Tinha mais irmãos, a mãe trabalhava dia e noite e os filhos ficavam muitas vezes sozinhos ou entregues ao ex-padrasto, de quem eram, soube-se mais tarde, vítimas de violência e abuso. Este é só um dos casos em que em resposta ao sofrimento de uma criança – que pode ser expresso das mais diferentes formas – é atribuído um rótulo e um medicamento milagroso que aparentemente adormece o sintoma e mal-estar da família. Mas o problema continua lá.
O olhar mais atento que hoje dedicamos à criança, a evolução em todas as áreas de diagnóstico e acompanhamento, tem feito com que se esteja mais alerta para as diferenças e que saltem à vista aquelas que parecem afastar-se da norma. Este despiste é ótimo quando é feito de forma cuidadosa e além de se diagnosticar corretamente, se consegue fornecer atempadamente um acompanhamento adequado à criança, que pode ajudar muito o seu bem estar e desenvolvimento. O problema é que muitas vezes há crianças que simplesmente fogem à norma ou que se desenvolvem a um ritmo diferente ou de forma irregular, sem que isso esteja associado a uma perturbação. Às vezes estas crianças podem causar desconforto aos pais, professores ou educadores e há uma urgência em diagnosticar e tratar, pôr na linha de montagem, ao lado de todas as outras que crescem direitinhas.
Há pouco espaço para a diferença e para o sofrimento e esta arrumação excessiva das crianças, esta necessidade de as padronizar e de as sedar, pode ter efeitos muito negativos. Muitas vezes porque não são avaliadas, compreendidas e ajudadas devidamente, porque não se procura o verdadeiro foco do problema e se quer uma resposta e solução rápidas; outras porque não há sequer questão nenhuma, ou o problema não está neles, mas numa sociedade, apesar de tudo, com pouca disponibilidade e margem para aceitar quem dá mais trabalho ou não encaixa na norma.