Reino Unido. Para Corbyn é tempo de nacionalizações

Líder trabalhista não quer que se fale só do Brexit. Promete aumentar os impostos sobre os mais ricos em quase 100 mil milhões por ano para investir em serviços públicos “de classe mundial”.

O Partido Trabalhista apresentou, esta quinta-feira, o programa eleitoral mais radical desta geração. Apesar de estar a mais de 10 pontos percentuais atrás dos conservadores nas sondagens, Jeremy Corbyn continua a focar-se em política doméstica, durante a campanha para as eleições de 12 de dezembro, em que o grande tema tem sido o Brexit. Enquanto o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, aposta em “concretizar o Brexit”, Corbyn promete manter-se ao lado “das multidões” contra “os mais poderosos do Reino Unido e os seus apoiantes”. 

“Eles vão dizer-vos que tudo neste manifesto é impossível”, proclamou o líder trabalhista. “Eles não querem mudanças a sério. Porque quereriam? O sistema está a funcionar perfeitamente para eles. Mas não para vocês”, acrescentou, perante os estudantes da Universidade de Birmingham, onde apresentou o seu programa eleitoral.

Intitulado “É Tempo de uma Mudança Real”, o manifesto prevê um aumento de mais 83 mil milhões de libras (quase 100 mil milhões de euros) por ano nos impostos sobre os mais ricos, para financiar investimento no mesmo valor em serviços públicos “de classe mundial”. São mais 33 mil milhões de libras (quase 40 mil milhões de euros) do que os trabalhistas prometeram no programa eleitoral de 2017.

Os fundos prometidos seriam destinados a medidas como a construção de 100 mil casas camarárias por ano, uma injeção anual de 5,5 mil milhões de libras (mais de 6,4 mil milhões de euros) no sistema nacional de saúde, a transição para uma economia verde e banda larga grátis para todos os britânicos. Algo que seria conseguido nacionalizando parte da operadora móvel britânica BT – Johnson apelidou o projeto como um “esquema comunista maluco”.

Contudo, as nacionalizações previstas por Corbyn não se limitam à BT. Promete reverter muitas das privatizações levadas a cabo nos anos 80, durante o Governo de Margaret Thatcher, em setores-chave, como a água, eletricidade, transportes e correios. Além disso, os trabalhistas já tinham proposto que cada empresa com mais de 250 trabalhadores tenha de pôr uma percentagem de 10% das ações nos fundos dos trabalhadores.

Como seria de esperar, muitos empresários não estão nada satisfeitos. Aliás, um dos principais investidores da BT disse ao Telegraph que vai processar qualquer Governo que nacionalize a empresa – algo que considerou “uma flagrante quebra dos direitos humanos”.

“Estas políticas estão plenamente custeadas, sem nenhum aumento para 95% dos contribuintes”, assegurou o líder trabalhista – mas as críticas foram imediatas. “Simplesmente não é credível”, garantiu à ITV o diretor do think thank Instituto para Estudos Fiscais, Paul Johnson, que qualificou o manifesto como “extraordinário em termos de escala”. “Não se pode angariar esse tipo de dinheiro no nosso sistema fiscal sem afetar indivíduos”, notou.

 

E o Brexit? O calcanhar de Aquiles dos trabalhistas parece continuar a ser o Brexit: Apesar da sua centralidade na política britânica dos últimos anos, o assunto só aparece na página 89 do manifesto. Corbyn promete negociar um novo acordo de saída da União Europeia em três meses, que inclua uma união aduaneira e dê direito automático aos cidadãos europeus de ficar no país – referendando esse acordo em menos de seis meses.

Corbyn aposta em apelar tanto ao eleitorado que votou para sair da UE como ao que votou para ficar – mas num país cada vez mais polarizado o tiro pode sair pela culatra. Arrisca perder terreno para os conservadores – que têm o Brexit como centro da campanha – e para os Liberais Democratas, ferozes opositores do Brexit. 

Contudo, com o arranque da campanha, a pressão para o “voto útil” pode dar uma ajuda a Corbyn. Desde que foram convocadas eleições, há menos de um mês, os dois grandes partidos, os conservadores e os trabalhistas subiram ambos 4% nas intenções de voto, segundo as sondagens do Politico. Algo que coincidiu com a descida tanto dos liberais democratas como do partido do Brexit, de Nigel Farage – que compete à direita com os conservadores.