Com a grande vitória dos candidatos conotados com o movimento pró-democracia em Hong Kong nas eleições locais deste domingo, que foram vistas como um referendo aos protestos, a China tentou passar o ato eleitoral a pente fino. A vitória do campo democrata foi profundamente censurada nos média estatais, segundo o South China Morning Post.
A cobertura dos resultados das eleições em Hong Kong nos meios de comunicação chineses foi mínima – prestaram-se apenas a revelar que os votos tinham sido contados. Segundo o jornal de Hong Kong, a agência de notícias Xinhua relatou apenas que “de acordo com o anúncio da Comissão de Assuntos Eleitorais, todos os 452 lugares dos 18 distritos foram eleitos”, omitindo que 17 foram parar às mãos de candidatos pró-democracia.
Em vez disso, a Xinhua preferiu vincar que nos “últimos cinco meses, os manifestantes desordeiros, que querem virar Hong Kong de cabeça para baixo, têm conspirado com forças estrangeiras” e que, com isso, “perturbaram seriamente o processo eleitoral”.
The People’s Daily, jornal alinhado com as posições governamentais de Pequim, disse que as eleições foram realizadas sob “a sombra do terror negro”, elogiando o trabalho da polícia por assegurar uma ida às urnas “pacífica, segura e ordeira”.
Também o Governo de Pequim se pronunciou sobre o ato eleitoral, desvalorizando o seu significado. “Não importa como a situação em Hong Kong mude, é muito claro que Hong Kong faz parte do território chinês”, sublinhou aos repórteres esta segunda-feira, à margem de um encontro do G20 em Tóquio, o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi. “Quaisquer tentativas para perturbar Hong Kong ou minar a sua estabilidade e prosperidade não serão bem-sucedidas”.
A participação nas eleições locais bateu todos os recordes. No total votaram 2,94 milhões, o que representa uma taxa de 71% de participação no ato eleitoral. Comparável, só quando 1,47 milhões foram às urnas para votar nas eleições para o Conselho Legislativo, em 2016. E, este domingo, a vitória dos candidatos pró-democracia foi esmagadora: dos 452 lugares em disputa do Conselho Distrital, ganharam 390.
A vitória é ainda mais surpreendente por, historicamente, este órgão ter estado nas mãos do establishment alinhado com Pequim – é dos órgãos mais democráticos do território autónomo. Nas últimas eleições para o Conselho Distrital, em 2015, os candidatos favoráveis a Pequim ganharam 298 lugares, o que lhes assegurou o controlo de todos os 18 distritos.
A líder do Executivo local, Carrie Lam, proclamou antes das eleições que tinha o apoio da “maioria silenciosa”. Conhecidos os resultados, foi obrigada a recuar e a tomar uma posição mais conciliatória esta segunda-feira, por comunicado, prometendo que o Governo vai “ouvir humildemente” as posições dos eleitores – de forma a não provocar uma resposta agressiva dos manifestantes.
Os analistas divergem no significado que este resultado pode ter para o movimento pró-democracia. Em declarações à Al Jazira antes de o ato eleitoral decorrer, Samson Yuen, da Universidade Lingnan, defendeu que as eleições têm maior simbolismo do que efeitos práticos. “Mesmo que o campo pró-democracia capture muitos lugares, não terá um significado substancial no movimento pró-democracia, [será] mais um apoio moral aos protestos atuais”, apontou.
Os protestos em Hong Kong iniciaram-se em junho deste ano. Com eles, Hong Kong vive a sua maior crise política desde que a sua soberania foi transferida para a China. E constituem também o maior desafio político que o Presidente da China, Xi Jinping, enfrenta desde que tomou as rédeas do poder, em 2012.