Oempresário Carlos Santos Silva disse esta semana ao juiz Ivo Rosa que utilizava dinheiro vivo para pagar a facilitadores no estrangeiro, justificando assim a necessidade de fazer vários levantamentos e ter dinheiro dentro de um cofre – que alimentava com parte dos valores das empreitadas que fazia e que recebia por fora. Também o cofre que tinha no banco e que continha dinheiro tinha o mesmo fim.
Esta não é a primeira vez que na operação Marquês são feitas referências a lobistas e/ou facilitadores de negócios em outros países, como é o caso de um homem influente do governo venezuelano, dos contactos com o Brasil e Líbia e da tentativa de chegar ao Governo liderado por José Eduardo dos Santos para satisfazer interesses de empresas, como o Grupo Lena ou Octapharma.
Na última quarta-feira, Santos Silva disse ainda que foi com o dinheiro que tinha no cofre da sua casa que fez o negócio das salinas, em Angola, ou seja, que comprou a sua parte. Segundo o que sempre defendera o empresário amigo de Sócrates, 6,5 dos 23 milhões arrecadados na Suíça (e que o MP acredita serem de Sócrates) foram lucros que obteve com a venda da sua parte das salinas, ligadas à família de Sócrates – eram de um tio do antigo primeiro-ministro.
Negócio Mistério
Porém, não há registos da compra, algo que Santos Silva justifica agora com o facto de ter pago a sua parte com dinheiro vivo que tinha num cofre. Deste terão saído pelo menos 200 mil euros.
Em momentos anteriores, o irmão de Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates, disse que não houve negócio, ou seja, que Santos Silva nunca fora sócio da família no negócio das salinas de Benguela, acrescentando que não conhecia sequer o empresário.
Uma investigação do SOL em Angola, publicada em 2014, encontrou as salinas praticamente iguais, tendo recolhido vários testemunhos que também apontavam para a inexistência de qualquer negócio relacionado com Santos Silva.
Recorde-se que entre as explicações que Santos Silva deu ao juiz Carlos Alexandre (durante a investigação) para o surgimento de parte dos 23 milhões de euros no UBS, que o MP diz pertencerem a Sócrates, figura um alegado lucro de 6,5 milhões de euros com um negócio de salinas em Benguela, Angola, no qual seria sócio de António Pinto de Sousa – um tio do ex-primeiro-ministro que emigrou para aquele país na década de 50.
Contudo, segundo o SOL noticiou em tempos, um dos filhos de Pinto de Sousa – de nome próprio António, tal como o pai – foi arrolado como testemunha e afirmou aos investigadores que Santos Silva nunca foi sócio de nenhuma exploração de salinas da família naquela região do litoral de Angola. O primo de Sócrates afirmou ainda que a única salina pertencente à família em Benguela acabou por ser vendida à Escom, empresa do Grupo Espírito Santo, e que também nunca teve Santos Silva como sócio.
RERT E entregas
Mas foram vários os temas sobre os quais o empresário fora questionado no primeiro dia de interrogatório. Um deles foi a regularização dos 23 milhões de euros ao abrigo dos Regimes Excecionais de Regularização Tributária (RERT) I e II lançados pelo Executivo de José Sócrates. Com estes mecanismos, Santos Silva conseguiu não só pagar impostos baixos como ainda não ter de justificar a origem dos fundos. O empresário garantiu que a decisão do Executivo não foi feita para que dela beneficiasse, até porque nunca comentou com Sócrates que iria trazer os milhões da Suíça.
Quanto aos empréstimos e às entregas de dinheiro, Santos Silva afirmou que o ex-primeiro-ministro lhe pedia dinheiro e que, por isso, estava convencido de que Sócrates não tinha uma vida folgada. Sobre os levantamentos que fazia e que o MP considera que eram para fazer entregas ao ex-governante, Santos Silva justificou que o objetivo dos levantamentos era fazer face às suas despesas pessoais e pagar a facilitadores no estrangeiro.
No segundo dia de interrogatório, Santos Silva disse que a casa de Paris onde Sócrates viveu era sua e que a emprestou ao ex-primeiro-ministro, uma versão idêntica à que foi apresentada por José Sócrates.
O antigo administrador do Grupo Lena contrariou também a versão apresentada por Domingos Farinho, o professor catedrático que terá sido o autor do livro de José Sócrates. O antigo administrador do Grupo Lena terá explicado ao juiz Ivo Rosa que a contratação do professor catedrático através da empresa RMF aconteceu após indicação de José Sócrates, por aquele ser um ótimo advogado e um bom perito em mercados internacionais. O certo é que apesar dos mais de 80 mil euros pagos, Domingos Farinho não terá feito nenhum trabalho nessa área.
O docente universitário já havia admitido que os serviços que prestara foram de auxílio na elaboração da tese.
Os Facilitadores
Durante esta semana, foram várias as vezes que Santos Silva falou na necessidade de ter dinheiro vivo para fazer face às despesas com lobistas no estrangeiro. Era aliás para isso, dissera, que também tinha dinheiro vivo num cofre do BCP – a caixa forte n.º 54 da agência Fonte Nova Prestige do Millenium BCP – em nome do advogado Gonçalo Trindade Ferreira. Disse ainda que este ficara em nome do advogado, uma vez que a mulher não tinha disponibilidade para tal. Em julho de 2014, Gonçalo Trindade Ferreira alugou um cofre por indicação de Santos Silva para que fosse colocado lá dinheiro que o ex-administrador do Grupo Lena tinha num cofre do Barclays. Durante as buscas foram apreendidos 200 mil euros que estavam nesse cofre. A investigação acredita que o aluguer deste em nome do advogado era para driblar os trabalhos do Ministério Público.
Não é a primeira vez que na operação Marquês se fala de lobistas. No processo são várias as referências a pessoas com poder no estrangeiro que terão beneficiado, segundo a versão do MP, tanto o Grupo Lena, como a Octapharma, na qual José Sócrates foi consultor para a América Latina desde 2013 até ser detido no ano seguinte.
Como o SOL noticiou logo em 2015, tanto Guilherme Dray, chefe de gabinete do seu último governo, como Vítor Escária, antigo assessor para a economia, terão, segundo a investigação, ajudado a fazer lóbi em outros países.
No caso de Vítor Escária os contactos prenderam-se com a Venezuela, tendo como interlocutor Temir Porras – político muito influente na época de Chávez, conhecido na imprensa do país como ‘el lobista del poder’. Um encontro conseguido entre Sócrates e Temir Porras foi em dezembro de 2013, no Ritz, em Lisboa. Carlos Santos Silva havia de ser chamado ao local para falar com o venezuelano e agilizar os interesses do Grupo Lena. Também Lalanda e Castro terá sido recebido, como o SOL noticiou à época, tendo conseguido a promessa de um futuro encontro com o ministro da Saúde da Venezuela e uma aceleração nos pagamentos dos contratos celebrados com a Octapharma – que tinha lá empatados 30 milhões de euros em hemoderivados.
Já Guilherme Dray tinha em mãos o Brasil, segundo defendem os investigadores. Uma realidade muito menos complicada, dada a proximidade entre José Sócrates e Lula da Silva. Aliás, naquele país, a única pasta mais complexa seria mesmo a de conseguir melhorar e fortalecer as relações entre o Ministério da Saúde e a Octapharma de Lalanda e Castro.
Como o SOL noticiou, Dray (que desde 2013 passou a receber avenças de duas empresas de Carlos Santos Silva, a XLM e a Proengel) não se ficou por aí e estendeu os seus contactos a outros países, procurando oportunidades para as empresas já referidas. Arranjou, por exemplo, reuniões entre Sócrates e Xanana Gusmão e contactou também mercados como a Líbia e o Equador. Também Angola não ficou de fora, com a investigação a relatar uma tentativa do ex-primeiro-ministro de facilitar contactos entre o Grupo Lena e o Governo de José Eduardo dos Santos, sem que aparentemente tivesse tido grande sucesso.
Ontem Santos Silva voltou a ser ouvido no Tribunal Central de Instrução Criminal. Em nenhum dos dias falou aos jornalistas. Já as defesas de alguns arguidos quebraram o silêncio para dar conta da insatisfação com o facto de estarem a ser noticiadas as versões que os arguidos têm dado ao juiz Ivo Rosa.