Em primeiro lugar o conceito Black Friday não tem razão de existir no contexto português. Por cá, a quarta/quinta-feira de novembro é um dia igual aos outros, nem sequer há hipótese de ser feriado – o recente debate sobre o 25 de novembro parece ter sido conclusivo. E, independentemente da data, nesse dia como em todos os outros, não nos dá um apetite voraz por peru ou de juntarmos a família para comemorar o dia de ação de graças. E a Black Friday é precisamente a sexta-feira que sucede a esta celebração e marca o início do período natalício. Vamos ao Natal.
Para os portugueses a relação mais evidente entre Natal e Black Friday é o décimo quarto mês, vulgo o subsídio de Natal. No final de novembro, os trabalhadores por conta de outrem ganham a dobrar, o que faz lembrar aquele momento em que o Clark Kent entra numa cabine telefónica e sai de lá Super Homem. Aí vão eles, todos poderosos, Colombo abaixo e Dolce Vita acima, engrossando a multidão que disputa as oportunidades imperdíveis da Black Friday. Vamos às oportunidades.
Certamente que a Black Friday é uma oportunidade para comprar algumas coisas mais baratas. É até relativamente comum encontrar produtos a metade do preço. Esquecendo por agora o exemplo das maçãs, na Black Friday há oportunidades, é inegável. Em junho foi até aprovado um decreto lei que implica que «um produto vendido em saldo ou promoção, não pode ter um preço mais alto do que o valor a que foi comercializado durante os 90 dias anteriores». E assim garante-se que não há inflação antes deste momento de oportunidades. Mas a lógica comercial não é, ou era, apenas um ardil de inflação e promoção, há vantagens reais para os compradores e que não se devem a um súbito acesso de generosidade das marcas. Raramente se repetem os produtos estrela da Black Friday no Natal. Em muitos casos não há espaço, nem faz sentido, ter as várias ofertas concorrentes na loja. Para cada momento, uma estratégia comercial específica. Vamos aos produtos.
Não surpreende ninguém que as categorias roupa e eletrónica sejam as mais vendidas na Black Friday. Excetuando os bens de primeira necessidade, onde ainda não se incluem telemóveis ou computadores, roupa e tecnologia são as categorias que os portugueses mais compram durante todo o ano. Não é de estranhar que o façam quando surge o desconto. E nesta tipologia de produtos a última tendência é um argumento de venda incontornável. Mas que fica para o Natal. A par das viagens, estes são os produtos que mais compramos na internet. A diáspora da Black Friday na Internet é ainda mais impressionante e no ano passado 65% dos portugueses usaram o telemóvel para fazer compras na Black Friday.
A Black Friday é, pelo menos em Portugal, uma construção das marcas, o que não é necessariamente mau. Se conscientes, o fenómeno é positivo para os consumidores. Os melhores negócios são aqueles em que ambas as partes ficam a ganhar e este não tem motivo para deixar de ser um desses casos. Se o consumidor tem sempre razão, e normalmente tem, a grande adesão ao consumo nesta ocasião, histeria nalguns casos com verdadeiras invasões de lojas ao estilo das batalhas do Braveheart, é evidência mais do que suficiente de vantagens percebidas. Por outro lado, se as marcas reagem às necessidades dos consumidores, idealmente até as antecipam, o facto de transformarem uma sexta feira numa semana, duas e até num mês de descontos, é um fortíssimo sinal da importância que este momento assume. Ou não fosse para muitas o melhor dia de vendas do ano.
Já agora, não vale a pena desesperar caso tenha melhores programas do que enfrentar o trânsito da Black Friday. Ainda antes do Natal, vai ter a Cyber Monday, um acontecimento que cada vez mais extravasa o seu conceito original. Boas compras!