Desde o início da primavera, em setembro, já arderam mais de 1,65 milhões de hectares na Austrália só no estado de Nova Gales do Sul, onde fica Sidney, segundo dados do Gabinete de Meteorologia, divulgados ontem. Ou seja, o equivalente a mais de 1,65 milhões de campos de futebol, ou quase seis vezes a área do distrito de Lisboa. A agência governamental anunciou também que esta terça-feira foi o dia mais quente registado no país. A temperatura máxima média foi de 40,9 ºC – o recorde era 40,3 ºC, a 7 de janeiro de 2013.
Contudo, no interior do país – onde os fogos são mais difíceis de combater, devido à falta de acessos – as temperaturas chegaram a ultrapassar os 45 ºC. “E este calor só se vai intensificar” ao longo desta semana, alertou uma porta-voz do Gabinete de Meteorologia, numa altura em que se estima que 95% do território australiano esteja em risco de incêndio. Pelo menos seis pessoas morreram e mais de 700 habitações foram destruídas nos incêndios das últimas semanas.
Não é apenas o calor que está a dificultar o trabalho dos milhares de bombeiros australianos que têm combatido centenas de fogos nos últimos dias. Esta primavera foi a mais seca e a segunda mais quente de que há registo – algo amplamente relacionado com as alterações climáticas.
“Isto é causado pelas alterações climáticas”, assegurou esta semana o chefe dos serviços de emergência de Nova Gales do Sul, Greg Mullins, perante as câmaras da 9News. Mullins, juntamente com outros dirigentes dos bombeiros, acusou o Governo conservador de ignorar o problema durante anos – chegou a ser acusado de minar o acordo de Paris. “Os cientistas disseram-nos durante anos o que ia acontecer. Nós, como chefes dos bombeiros, vimo-lo acontecer”, lamentou Mullins.
Desastre anunciado “A Austrália sempre teve fogos florestais”, explicou ao Guardian em 2013 o professor Will Steffen, membro do Conselho Climático. Aliás, boa parte das plantas autóctones estão adaptadas aos incêndios periódicos. Algumas, como os eucaliptos, desenvolveram sementes que brotam após os incêndios. Outras desenvolveram frutos mais rijos, ou troncos mais resistentes.
O problema é que, apesar destes mecanismos de resistência, “as alterações climáticas estão a fazer os dias quentes mais quentes. As ondas de calor mais frequentes e graves”, alertou Steffen. “Está a aumentar a probabilidade de condições climatéricas extremamente propícias aos incêndios, prolongando a época dos fogos”.
Para a Austrália, como para as restantes regiões do planeta afetadas, trata-se de um ciclo vicioso. Segundo dados da NASA, desde agosto até meio de dezembro, os incêndios em Nova Gales do Sul e Queensland já lançaram na atmosfera cerca de 250 toneladas de CO2 – quase metade do total emissões de toda a Austrália em 2018.
Sob cerco Entretanto, os mais de cinco milhões de habitantes de Sidney enfrentam uma queda a pique da qualidade do ar. Na semana passada, por causa dos incêndios, o nível de partículas chegou a ser mais de 11 vezes superior ao considerado “perigoso” em algumas partes da cidade. Algo “sem precedentes” e que deixa particularmente em risco os mais novos e os mais idosos, explicou na altura o responsável de saúde pública de Nova Gales do Sul, Richard Broome.
Muitos dos habitantes têm experienciado irritação nos olhos, garganta e nariz, arriscando também uma maior incidência de doenças respiratórias a médio e longo prazo. Além disso, “o fumo deixa as pessoas um pouco loucas, desencadeia ansiedade. É como uma situação de guerra, em que o inimigo está a atacar a cidade, mas não sabes onde está”, descreveu ao Guardian David Bowman, diretor do Fire Center na Universidade da Tasmânia.
“Muitas pessoas não querem saber dos incêndios florestais quando têm ar limpo”, notou Bowman. Agora, a situação mudou e aumentam as críticas ao Governo australiano, pela falta de preparação e de combate às alterações climáticas. Não ajuda que neste momento o primeiro-ministro Scott Morisson esteja de férias com a família, fora do país – os media australianos garantem que está no Havai. “Toda a gente merece férias”, assegurou Michael McCormack, que está a substituir o primeiro-ministro.