Irão, China e Rússia começam esta sexta-feira exercícios navais conjuntos no Oceano Índico e no Golfo de Omã, porta de entrada do Golfo Pérsico – por onde passa cerca de um quinto do petróleo mundial. Isto num contexto de polarização entre Washington e Teerão, semanas depois do anúncio de uma missão naval no golfo, liderada por França e sediada em Abu Dhabi – será coordenada com a missão norte-americana, lançada em novembro. 2020 vai começar com cada vez mais forças militares aglomeradas na região, disputando o papel de protetores do estreito de Ormuz, mes.
Talvez a grande novidade seja a participação de Pequim, cujo poderio militar é mantido sobretudo dentro dos seus limites territoriais, com exceções como a sua base naval em Djibuti ou a sua presença no Afeganistão. “Participação em exercícios formais no Golfo Pérsico podem tornar esta via marítima num hotspot e isso significa problemas para Pequim”, alertou o analista militar chinês Zhou Chenming, em declarações ao South China Morning Post.
Afinal, não só a China é o maior importador mundial de petróleo – quase 50% do qual vem do Médio Oriente – como mantém laços comerciais fortes com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU), que são há muito a testa de ponte dos EUA na região. Apesar do crescente investimento chinês na sua marinha, há uns meses a expectativa era de que Pequim só enviasse para o exercício conjunto efetivos dedicados à ajuda humanitária, manutenção de paz ou ao combate à pirataria – a Reuters avançou ontem que foi enviado o contratorpedeiro chinês Xining, equipado com mísseis guiados.
“Isto não está necessariamente ligado com a situação regional”, assegurou um porta-voz do ministério da Defesa chinês. No entanto, é muito improvável que a reunião dos seus três grandes adversários geopolíticos nesta região estratégica deixe Washington satisfeito.
A tensão no Golfo Pérsico atingiu um pico este ano, no seguimento da saída dos EUA do acordo nuclear com o Irão assinado em 2015, que limitava o programa nuclear iraniano a troco de um alívio das sanções norte-americanas. Em maio, dois petroleiros, um deles saudita, foram danificados por alegados atos de sabotagem do Irão, e um mês depois um drone dos EUA foi abatido em espaço aéreo iraniano. O mundo susteve a respiração, à espera de uma guerra entre os dois países – que acabou por não acontecer.
Entretanto, a região pareceu estar outra vez próxima do abismo, quando um ataque com mísseis e drones devastou as principais instalações da Aramco, a empresa petrolífera saudita. Tanto Washington como Riade asseguraram que o ataque partiu do território do Irão – que negou as acusações – mas a retaliação nunca surgiu. Contudo, “o resultado do acumular de armas estrangeiras no Golfo Pérsico será um aumento da insegurança”, avisou esta semana Amir Abdollahian, conselheiro de política externa do Estado iraniano, em declarações ao Tehran Times.
Negociações Mas nem tudo são más notícias. Apesar de os EUA terem enviado milhares de soldados para a Arábia Saudita este mês, e de França ter prometido equipamento de defesa antiaéreo aos EAU, ambos os lados têm-se revelado mais dispostos a negociar. Vários países já se propuseram como intermediários entre Washington e Teerão, como o Paquistão, o Japão – que o Presidente iraniano, Hassan Rouhani, visitou este mês – e Omã, tradicional mediador entre os seus vizinhos sauditas e o Irão, do outro lado do Golfo de Omã.
Este último país é instrumental nas negociações para pôr fim à guerra por procuração no Iémen, entre os rebeldes houthis – aliados do Irão – e a coligação internacional liderada pelos EAU e Arábia Saudita. “Há negociações, há mediação e desejo de resolver o conflito”, garantiu o mês passado à Oman TV o ministro dos Negócios Estrangeiro omanita, Yusef Alawi Abdullah, após um encontro com o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo.