C om o aproximar do final do ano, alguns jovens começam a adivinhar as primeiras palavras dos pais à meia-noite: ‘Ano novo, vida nova! Para o ano não vai ser esta rebaldaria. Vais ser mais responsável, mais estudioso, mais arrumado…’. Como se a transição daquele dia tivesse o poder de os transformar por completo.
A verdade é que o simbolismo da passagem de ano proporciona-nos um momento – mesmo que curto – dedicado a uma tarefa importante para a qual raramente temos tempo: pensar. Pensar no ano que passou, no que fomos, no que vivemos, no que ganhámos e perdemos, no que fizemos bem e no que podemos melhorar, pôr os pesos nos pratos da balança e fazer as contas finais. Posto isto vêm os planos para o ano vindouro. Os nossos e, por associação, os dos mais novos. Estes últimos dificilmente passarão de desejos, porque não é fácil fazer mudanças nos outros.
Há uma tendência para imaginar que tudo vai mudar: vamos ser mais organizados, mais pacientes, vamos iniciar e manter uma dieta verdadeiramente saudável, vamos passar a ir ao ginásio todos os dias, a acordar mais cedo… E lá para o meio do mês voltamos ao que éramos. O que, vendo bem as coisas, também não é assim tão mau. Fico arrepiada quando ouço anúncios que incitam à mudança total – do corpo, da vida, do carro, da casa – como se o que tivéssemos fosse para lá de péssimo.
Aquilo que somos, aqueles que nos são queridos, tudo o que possuímos, é o que temos de mais precioso. Quando feitas as tais contas temos vontade de mudar tudo, provavelmente o problema não está no que temos, mas nas lentes com que vemos o mundo. Muitas vezes não temos de mudar de casa, de país, de carro, de corpo ou de parceiro para nos sentirmos mais felizes. A forma como olhamos a nossa vida é que pode não ser a mais correta e podemos estar a desperdiçar uma vida única por ainda não termos encontrado as lentes certas. Ou seja, não temos de esperar por um destino idílico para passarmos umas férias de sonho, basta viver qualquer viagem com a vontade e intensidade de umas férias perfeitas, da mesma forma que devemos investir, renovar e alegrar relações antigas com o mesmo entusiasmo com que descobrimos relações novas, olharmo-nos ao espelho e em vez de rugas vermos um corpo cheio de vida, não esperarmos pela casa ideal, mas cuidarmos e investirmos na que temos. As grandes mudanças são internas. E são estas as mais importantes.
Para este novo ano quero sobretudo ter mais tempo e disponibilidade para dedicar a quem e ao que é verdadeiramente importante. Para isso trago comigo a minha vida velha e espero cuidar dela da melhor forma possível. Prometo que vou tentar descobri-la com olhos novos todos os dias, regá-la e renová-la, agradecer e dar valor. E se daqui a 15 dias já me tiver esquecido destas resoluções, vou tentar não esperar pelo final do ano para fazer novos planos.
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