A política é a capacidade de resolver as nossas diferenças pela força da palavra. Hoje, é um lugar comum dizer que as pessoas não participam porque estão desinteressadas da ação política. Isto não é, nunca será, possível. Tão antiga como o ser humano, a política continuará a fazer parte de cada pessoa enquanto viver em grupo, ou enquanto for humano.
Outro lugar comum é afirmar que as pessoas estão afastadas dos eleitos que as representam, mas também isto parece falso. Basta ver o modo empenhado como os representantes dos cidadãos, sejam deputados, autarcas, governantes, ou cidadãos em associações cívicas, trazem a debate público a resolução dos problemas dos seus, sejam os da sua terra, da sua profissão ou da sua geração.
Um dos mais fortes motivos do afastamento dos cidadãos dos processos de decisão é a opacidade técnica de documentos políticos como o Orçamento de Estado, atualmente em discussão na Assembleia. Quando uma Assembleia discute o Orçamento de Estado, está a debater o documento político mais relevante do ano parlamentar. O Orçamento indica quanto dinheiro temos de entregar anualmente ao Governo e de que modo os governantes eleitos o pretendem distribuir. Paradoxalmente, este debate anual é também o mais enigmático. Quantos cidadãos entendem as palavras que se atiram nos debates como ‘cativações’, ‘imparidades’, ‘déficit’, ou até como se compõem os valores mais básicos da nossa vida em sociedade, como o valor que anualmente entregamos ao Governo para gerir (cerca de 90 mil milhões de euros), ou o valor da produção nacional anual (cerca de 200 mil milhões de euros).
Quando dizem que os cidadãos não participam, lembrem-se que para participar num diálogo é preciso entender as palavras. Se as pessoas não conseguem perceber os documentos mais relevantes que regem a sua vida em comunidade, vão limitar o debate político ao pouco que entendem, reduzindo o discurso a uma amálgama de lugares comuns, embelezados por argumentos retóricos, mais ou menos elegantes, mais ou menos fraturantes, mas genéricos e vazios de conteúdos. A opacidade afasta os cidadãos e beneficia apenas os que querem furar o esquema, montando, em seu benefício, sistemas de tal modo articulados que, suspeita-se, nem os próprios governantes parecem ter competências para os entender.
Quando há orçamentos participativos sobre um jardim, uma escola, ou uma carrinha para os bombeiros, os cidadãos mobilizam-se para criar redes de apoio e votar. O segredo para combater o dito desinteresse, ou a abstenção de participação, é relembrar que o orçamento participativo por excelência é o orçamento geral do órgão que está em eleição, seja o orçamento de um Estado, de uma Câmara, de uma Freguesia ou da União Europeia.
A lei obriga a um princípio de transparência orçamental entre instituições do Estado, mas não se lembra de afirmar que os Orçamentos de todos os executivos têm de ser compreendidos por todos os cidadãos. Na era da transparência, o futuro da política está na capacidade de comunicar aos cidadãos, de modo claro cristalino, conteúdos complexos. Imaginem que a lei obrigava o Governo a apresentar o Orçamento de modo a ser compreendido por todo e qualquer cidadão? Seria a revolução necessária para lançar a primeira pedra da política na era da transparência.