Sosseguem, o SNS não está morto

Em nove anos de observação, não recordo um só caso de doentes que tenham procurado tratamento fora de Portugal.

Oiço dizer: «o Serviço Nacional de Saúde está morto!». E eu replico: «nunca esteve tão vivo e forte como hoje!». A afirmação, tão exagerada como a anterior, quer apenas significar: ninguém ganha em passar a certidão de óbito ao SNS, muito menos em atacá-lo com base em ocorrências isoladas, porque… no melhor pano cai a nódoa!

No SNS há atrasos, demoras, esperas e deficiências de todos os géneros, que estão muito para além do razoável. Consultas e cirurgias marcadas a perder de vista; milhares de utentes sem médico de família; ficheiros onde os nomes dos falecidos e dos ausentes no estrangeiro ocupam linhas onde deveriam estar novos beneficiários; instalações obsoletas e descuidadas…

Não há como negar a realidade. Simplesmente, o mal está menos na falta de recursos e mais na ausência de planeamento e de controlo, que deixam campo livre para que se instalem os ‘quatro cavaleiros do apocalipse’ dos serviços públicos: a burocracia, a negligência, a desorganização e o desperdício. O rácio de médicos por mil habitantes até compara favoravelmente com os dos países mais ricos, mas os vícios instalados impedem que se faça mais e melhor.

Pintado com estas cores, o quadro é dececionante. Mesmo assim, quem, às três da manhã, se veja confrontado com um ataque cardíaco, dificilmente preferirá o conforto hoteleiro dos hospitais privados ao caos das urgências públicas.

A bem da paz na Terra, não faço comparações entre o público e o privado, mas posso fazê-lo entre o serviço público português e o de diferentes países da Europa, dos EUA e do Canadá, com o conhecimento do que se passa numa empresa com 120 trabalhadores estrangeiros, maioritariamente britânicos, americanos e canadianos, com uma rotação anual superior a vinte por cento.

Em nove anos de observação, não recordo um só caso de doentes que tenham procurado tratamento fora de Portugal. A quem os queira ouvir, explicam com simplicidade que as demoras nos hospitais públicos são um preço aceitável para poderem beneficiar do profissionalismo, da competência, da atenção e do carinho dos nossos médicos e enfermeiros.

Por paradoxal que possa parecer, têm tanta razão os que dizem que o Serviço Nacional de Saúde está a precisar de ‘respiração assistida’ como os que sustentam que nunca esteve tão disciplinado como agora, sujeito como está ao escrutínio dos sindicatos, das ordens, dos utentes, dos familiares e de uma comunicação social implacável e ávida de escândalos. O que fica por explicar são as erupções periódicas de incidentes, que parecem preparadas para serem noticiadas nos momentos politicamente mais sensíveis.

Sujeito a tanta metralha, o SNS arrasta uma imagem degradada, de que tem urgentemente de libertar-se. Mas… qual o remédio? Atacá-lo ou apoiá-lo? Que fazemos nós quando o carro avaria? Damos-lhe pontapés? Insultamos o vendedor? Praguejamos contra a marca? Ou fazemos a única coisa racional, que é investir na reparação e na substituição das peças danificadas para lhe restituir a saúde?