O Open da Austrália começa na próxima madrugada de segunda-feira debaixo de fogo.
Não do fogo infernal que consome três estados australianos, entre os quais o de Victoria, cuja capital, Melbourne, acolhe o primeiro torneio do Grand Slam.
Mas de acusações de insensibilidade, de mercantilismo diabólico dos organizadores, a Federação Australiana de Ténis e o governo de Victoria.
Tudo porque durante o primeiro dia da fase de qualificação um apanha-bolas desmaiou, uma jogadora desistiu após vencer o primeiro set por não conseguir respirar, alguns jogadores tiveram de usar máscaras de inalação, enquanto outros sentiram irritações nos olhos, nariz e garganta.
A causa? Aquele que chegou a ser considerado o segundo pior ar do mundo depois do de Camberra, não só pela poluição, mas, sobretudo, pelas partículas oriundas dos incêndios que deixaram um capacete cinzento e pesado sobre Melbourne Park.
Na segunda-feira o município aconselhou os cidadãos a permanecerem em casa e a não deixarem os animais domésticos saírem à rua. As piscinas ao ar livre foram fechadas e as praias interditas.
Nesse dia o índice de qualidade do ar em Melbourne atingiu as 385 unidades, enquanto numa capital europeia é normal fixar-se entre 20 e 30. Em Lisboa muitas vezes nem chega às 20.
Pois a organização do Open da Austrália, apoiada em pareceres de especialistas, atrasou o início dos torneios de qualificação em uma hora e depois mandou os jogadores para os campos, recusando admitir que estava em causa a integridade física dos atletas.
Como estamos a falar de jogadores classificados fora dos cem melhores do mundo, que não têm voz porque ninguém os ouve – como os portugueses Pedro Sousa, João Domingues e Frederico Silva –, foram tratados como carne para canhão e lançados às feras, ou seja, ao ar impróprio para consumo. Os animais domésticos estavam resguardados em casa e os atletas de alta competição eram forçados a competir ao ar livre!
As grandes estrelas, bem mais mediáticas, continuaram a treinar-se nos três estádios de recinto fechado e ar condicionado do complexo, e, por isso, não se queixaram.
O Open da Austrália é muito mais do que um evento desportivo. É um acontecimento económico que em 2019 gerou quase 200 milhões de euros em receitas.
Não podemos ser líricos e achar que pode cancelar-se uma jornada por qualquer motivo. É normal que o dinheiro fale quase sempre mais alto, mas desta vez ultrapassaram-se os limites razoáveis.
Felizmente a chuva dos dias seguintes tornou no ar mais respirável, mas o Open da Austrália começou mal, muito mal.