A política surgiu-me, pela primeira vez, com "O Independente". Portas, Pulido Valente, Esteves Cardoso e, mais tarde, Constança Cunha e Sá foram os protagonistas para uma geração que, não se revendo nos governantes de então, tinha n' "O Independente" uma referência que levou muitos para a política.
Depois de uma breve passagem pela então Juventude Centrista, no início dos anos 90, não tive qualquer filiação partidária durante mais de 15 anos. Retomei essa ligação em 2008, filiando-me no CDS, partido em que quase sempre votei, depois de perceber, na campanha que antecedeu o referendo do aborto, que era muito difícil fazer política activa fora de um partido.
O referendo do aborto foi um momento marcante e acabou por motivar o encontro de um grupo de pessoas que, rejeitando uma visão relativista do mundo, se juntou para, dentro do CDS, fazer política e lutar pelas causas em que acreditava e pelos valores em que se revia.
Foi também na campanha desse referendo que conheci (politicamente) a ainda líder do CDS, Assunção Cristas, que aceitaria o meu convite para escrever num blogue que se opunha à liberalização do aborto (isto, claro, no longínquo tempo em que os blogues tinham relevância).
Depois da campanha, a Assunção acabou por ser convidada pelo então presidente do CDS para coordenar um grupo que levou a cabo um estudo sobre a crise demográfica, no âmbito do qual contribuí de forma modesta.
Por pretender que o CDS fosse conduzido de forma diversa daquela que pautava o comportamento de quem, com toda a legitimidade, comandava o partido, integrei um grupo de militantes – Alternativa e Responsabilidade – liderado inorganicamente pelo Filipe Anacoreta Correia. Este grupo, nos anos seguintes, sempre promoveu uma oposição leal, ainda que firme, à direcção.
Promovemos o debate interno, propusemos alterações de funcionamento para diminuir a opacidade que, em diversos momentos, caracterizava a liderança, alertámos para o afastamento de militantes que faziam parte da história do CDS, combatemos o que nos parecia um pragmatismo equívoco e a tibieza com que o partido encarou a defesa de causas que faziam parte do nosso ADN. Mesmo nesses tempos, nunca deixámos de sentir que o CDS era o nosso espaço de afirmação política, a nossa casa. Foi esse sentimento de pertença que nos levou a afirmar, fora do partido, que parecia tacticamente envergonhado de os assumir, os valores que partilhávamos com muitos dos seus militantes. Foi este, durante um longo ciclo, o propósito do Alternativa e Responsabilidade. Qualificar o debate interno no CDS e a proposta política do partido, nunca perdendo de vista a sua matriz personalista.
Fizemo-lo sempre com lealdade e sem colocar em causa o partido fora de portas, quer através de candidaturas concorrentes àquelas que eram promovidas pela direcção, quer através de moções de estratégia globais em que propusemos a reforma do Estado e do sistema eleitoral, a reiteração dos valores do partido e, mais importante, a afirmação de uma estratégia que centrasse no CDS o combate ao socialismo e a aliança das esquerdas.
Aqui chegados, e depois dos resultados eleitorais das últimas legislativas – cujas causas foram amplamente debatidas, ainda que aparentemente não percepcionadas por todos – importa discutir qual o caminho que o CDS deve trilhar e, sobretudo, perceber se o partido mantém a sua relevância ou mesmo razão de existência.
Antecipando já a resposta à segunda questão, que não pode deixar de ser afirmativa, convém compreender que tal só será possível se quem assumir a liderança do partido for capaz de ler os sinais que os eleitores do partido vêm dando.
Inconformismo, incoerência, inconsequência e desconfiança serão algumas das motivações que levaram a que muitos eleitores do CDS tenham optado por votar noutros partidos ou, simplesmente, não votar. E se não é fácil manter a fidelidade do eleitorado, menos será reconquistar a confiança perdida por esse eleitorado.
Foi este o cenário com que os militantes do CDS se depararam, entre os quais me incluo, na expectativa de que todos aqueles que apresentaram uma candidatura fossem capazes de propor um projecto susceptível de antecipar um futuro para o partido que não passasse pelo seu definhamento.
É importante, antes de mais, termos presente que o partido não é um fim em si mesmo, mas sim um instrumento ao serviço da comunidade – em particular daqueles que não se sentem representadas por nenhum outro partido e que desejam ter uma voz com a qual se identifiquem.
É necessário o CDS assumir – ou reassumir – a identidade que sempre foi a sua, a qual, talvez numa ânsia de crescer a todo o custo, acabou por deixar para trás numa discussão estéril entre pragmatismo e ideologia (como se fossem uma genuína alternativa).
Não podemos esquecer que o CDS sempre foi um partido que elegeu a liberdade como principal bandeira e pessoa como fundamento de tudo. Para sermos livres não nos podemos deixar condicionar por lógicas de aparelho ou replicar no partido aquilo que sempre criticámos no Estado.
O CDS tem de ser capaz de se reafirmar como partido reformista, de propor medidas que acabem com os atrasos na justiça e penalizem verdadeiramente a corrupção, de promover a desburocratização e uma descentralização séria, que permita tentar contrariar a aparente inevitabilidade desertificação do interior e as assimetrias entre regiões.
O CDS não pode deixar de ser um partido que defende a dignidade da pessoa humana, e, por isso, tem de rejeitar o aborto e a eutanásia. Temos de ser portadores de esperança, sobretudo junto das mães que pensam abortar e das pessoas que, em desespero, consideram pôr termo à vida.
O CDS tem de ser um partido frontalmente contra uma escola ideológica, que impõe, mesmo contra as famílias, uma perversa identidade de género.
O CDS tem de ser um partido que defende a importância de um Estado forte onde ele faz falta. Forte, mas digno, respeitável e confiável, encontrando na subsidiariedade e nas parcerias entre o público e o privado o equilíbrio mais eficiente para prestar às pessoas um serviço público de qualidade.
O CDS tem de ser um partido que cuida dos mais desfavorecidos e desprotegidos, que defende o Estado social e apoia as instituições que prestam um apoio que o Estado muitas vezes não consegue assegurar, não permitindo que ninguém seja deixado para trás.
O CDS tem ser um partido que promove o combate às desigualdades ainda existentes, identificando as situações que sejam merecedoras de intervenção social, mas sem recorrer a formas artificiais de imposição de uma igualdade manifestamente irrealista ou sem respaldo na realidade.
O CDS tem de ser um partido que recusa as políticas identitárias que tomaram conta do espaço público, promovidas por uma esquerda cuja sobrevivência depende de uma guerra permanente entre ricos e pobres, homens e mulheres, jovens e velhos, funcionários públicos e do sector privado.
O CDS tem de ser um partido capaz de oferecer uma nova visão do país, capaz de ser portador de uma esperança mobilizadora.
Este é um caminho estreito e as condições políticas dificilmente foram antes tão adversas. Mas continuo, pessoalmente, a acreditar que existe espaço para o CDS.
Reconheço a todos os candidatos o enorme esforço que têm feito, correndo o país de norte a sul, com a apresentação das suas moções, mas isso não invalida que nas redes sociais se continue a assistir a um espectáculo muito pouco dignificante entre apoiantes das várias candidaturas. Todos somos poucos para o muito que é preciso fazer. É hora de expor as diferenças e escolher um caminho. Um caminho que nos dê futuro e que não seja menos do mesmo.
Para isso, é essencial não esquecer que estamos no CDS não para nos servirmos do partido, mas para servir os portugueses e o país.
É com este espírito que vou ao congresso do CDS, em Aveiro, na esperança de encontrar um projecto que, depois de encerrados os trabalhos do Congresso, a todos nos mobilize e convoque. E acredito, sinceramente, partilhar esta vontade com a maioria dos militantes que lá estarão.
Rui Tabarra e Castro, advogado