Nestes últimos três anos assistimos à subida de Lisboa para a ribalta dos mercados imobiliários globais, seguida pela área metropolitana envolvente e pelo Porto. Este fenómeno associado às baixas taxas de juro da Europa, por um lado, alimentou a subida especulativa do mercado, favorecendo proprietários e Estado recoletor de impostos, os felizes beneficiários deste ‘milagre económico’ e, por outro lado, agravou o acesso à habitação das famílias sem propriedades.
Para enfrentar esta desigualdade, o Estado central e local, tinha à sua disposição três instrumentos: as propriedades públicas, os incentivos fiscais ao mercado, e o apoio direto em subsídios. O foco das políticas andou nos subsídios e nos incentivos, ignorando a boa gestão das propriedades que, paradoxalmente, representaria um valor potencial exponencialmente mais elevado.
Hoje, no Orçamento do Estado para 2020, estão destinados para habitação cerca de 150 milhões de euros, a serem distribuídos por diversos programas de apoio aos mais desfavorecidos, aos mais jovens e à reabilitação urbana. No debate político, acantonados no conforto binário das cartilhas ideológicas, os encostados mais à esquerda atiram que 150 milhões é pouco, e os mais à direita que 150 milhões é demais. Ambos debatem a árvore sem referirem que existe uma floresta.
É necessário confrontar estes 150 milhões com o valor das propriedades do Estado nas zonas de emergência habitacional. Os 11 edifícios em Lisboa adquiridos pela Câmara à Segurança Social, abaixo do valor de mercado e a necessitar de obras de reabilitação, custaram 60 milhões de euros, ou seja, cerca de metade da verba total destinada do Orçamento de Estado para habitação. Na verdade, um único terreno sem construção na Artilharia 1, encaixado na carteira do Novo Banco, foi avaliado, em valor de saldo, por 150 milhões.
O primeiro passo para desenhar uma política de habitação é pensar além subsídios, identificando num mapa, por Município, as propriedades devolutas que pertencem ao Estado central e local. O segundo passo é quantificar as habitações que cabem nestas propriedades, de acordo com as condicionantes urbanísticas. O terceiro passo é colocar estas propriedades devolutas no mercado, angariando a verba para obras necessárias de modo financeiramente auto-sustentado, ou seja, as rendas têm de cobrir a prestação de empréstimo para a construção, considerando a provável subida de juros, de modo a eliminar o risco de deixar buracos financeiros a pender sobre as futuras gerações.
Com a liberdade e a racionalidade que assistem os que não estão cativos do pensamento ideológico binário, a colocação no mercado pode ser feita de dois modos, tanto pelo Estado, seguindo em transparência os preceitos da lei, ou por parcerias de arrendamentos a 99 anos, à imagem dos ‘leasehold’ britânicos. Seja como for, aprendendo com os erros da Berlim pós-reunificação, a única regra é não vender propriedade pública. Vender alivia a curto prazo, mas elimina a margem para responder a picos especulativos, acabando com a população a protestar nas ruas.
Se, além desta sustentabilidade económica, garantirmos a sustentabilidade ambiental do edificado e a sustentabilidade social de comunidades inclusivas, estaremos finalmente a caminhar para a construção de cidades com futuro. Será assim tão difícil?