Numa noite em que os norte-americanos fitavam ansiosamente os seus ecrãs à espera dos resultados das primárias no Iowa, onde ia finalmente ter-se um indicador sobre quem poderá enfrentar Donald Trump em novembro, o caos instalou-se e os resultados parciais só foram anunciados um dia depois. Tudo por causa de uma aplicação que não funcionou.
Com 71% dos votos contados, o ex-presidente da câmara de South Bend, Indiana, Peter Buttigieg, encontra-se à frente com uma vantagem mínima em relação a Bernie Sanders: o primeiro arrecadou, até agora, 26,8% dos delegados; o segundo, 25,2%, embora com maior número de votos.
Ainda na noite de segunda para terça, os democratas do Iowa invocaram “inconsistências” no processo de contagem de votos para suspender a divulgação dos resultados. Instalou-se o pânico e pensou-se até que a Rússia teria interferido nas eleições. Mas não: todo o frenesim fora causado por uma falha da aplicação criada pela empresa tecnológica Shadow Inc., cujo intuito era facilitar e garantir maior transparência no complicado processo eleitoral do pequeno estado do Midwest.
A finalidade da ferramenta era simples: recolher os dados da contagem de votos dos quase 1700 recintos onde se realizou o caucus e transmiti-los à sede do partido no Iowa, em Des Moines. O que falhou? Segundo uma publicação da Shadow no Twitter, a transmissão dos dados. Quem contava os votos passou a transmitir os resultados via linhas telefónicas abertas para o efeito. Sobrecarregadas, as linhas começaram a falhar, causando, por sua vez, o adiamento da divulgação dos resultados. Teve de se validar os votos à moda antiga, por papel.
Afinal, a aplicação não fora devidamente testada a nível estadual e tinha sido criada há apenas dois meses, revelaram os trabalhadores da Shadow ao New York Times. “Parece um bocado louco”, confidenciou ao Los Angeles Times Rodrigo Bijou, perito em cibersegurança.
O Partido Democrata do Iowa decidiu manter a empresa que desenvolveu a IowaReporterApp em segredo até se desencadear a polémica, por motivos de segurança. As secções do Partido Democrata no Iowa e no Nevada, onde a app seria também utilizada nas primárias, pagaram 60 mil dólares cada uma para o seu desenvolvimento, segundo a Federal Election Commission – um valor “baixo”, segundo peritos ouvidos pelo diário de Los Angeles.
Muitos questionaram o secretismo à volta da app. A Shadow foi lançada pela Acronym, entidade não lucrativa gerida por uma produtora digital da campanha de Obama, em 2012. A Acronym, entretanto, distanciou-se da Shadow pouco depois do caos no Iowa. Uma pesquisa no LinkedIn realizada pela Vox mostrou que muitos dos trabalhadores da Shadow fizeram parte da equipa de campanha de Hillary Clinton, em 2016. E no seu site, a empresa apresenta-se como uma equipa de “veteranos tecnológicos” que esteve envolvida na campanha da antiga candidata.
Entre os maiores clientes da Shadow está Peter Buttigieg, que declarou vitória antes da contagem verificada dos votos. Pagou 42 500 dólares por direitos de software, segundo a FEC – a equipa de Buttigieg disse à ABC News que foi para “serviços de mensagens”. O ex-vice-presidente Joe Biden fez um donativo à empresa muito inferior ao do jovem do Indiana: 1250 dólares. Nenhum outro candidato dos que estão ainda na corrida efetuou qualquer pagamento à empresa, de acordo com os registos públicos.