Desde a Segunda Guerra Mundial que os partidos parlamentares alemães recusam qualquer aliança com a extrema-direita. Contudo, este cordão sanitário – chamam-lhe brandmauer, em alemão – foi quebrado esta semana, no estado de Turíngia. Thomas Kemmerich, líder dos Democratas Livres na região – onde obteve 5% dos votos nas eleições locais de outubro – foi eleito ministro-presidente turíngio, com os votos dos deputados da União Democrata-Cristã (CDU) e da extrema-direita da Alternativa para Alemanha (AfD, em alemão). Algo “imperdoável”, que “tem de ser revertido”, declarou quinta-feira de manhã a chanceler Angela Merkel, histórica dirigente dos democratas cristãos. E foi, menos de 24 horas depois.
“Democratas precisam de maiorias democráticas”, reconheceu Kemmerich, por volta da hora de almoço, após uma reunião com o líder do seu partido, Christian Lindner – deverão ser marcadas novas eleições. Entretanto, milhares de manifestantes tinham-se juntado à frente de sedes dos Democratas Livres por todo o país, apelidando-os de traidores. “A demissão é inevitável”, admitiu Kemmerich, que ainda nessa manhã prometera manter-se como líder de Executivo da Turíngia.
O objetivo da manobra de Kemmerich foi tirar do cargo Bodo Ramelow, dirigente do partido de esquerda Die Linke, o mais votado na região. Ramelow foi afastado por uma estreita margem de um voto, e recordou o que passou pela cabeça de muitos alemães: foi no estado da Turíngia que o partido Nazi entrou pela primeira vez no Parlamento, no início da sua subida ao poder.
“Os partidos da Turíngia, que anteriormente formaram o Governo, não podem conseguir uma maioria sem a nossa participação”: a frase de Adolf Hitler em 1930 foi lembrada no Twitter pelo líder regional do Die Linke. “Excluir a AfD já não é uma opção”, congratulou-se o co-líder do partido, Alexander Gauland, após a eleição de Kemmerich. Note-se que mesmo dentro do partido de extrema-direita, a secção turíngia é vista como a mais extremista: a designação do seu líder, Björn Höcke, como fascista é “um facto verificável”, declarou em setembro um tribunal alemão.
Aliás, Höcke ganhou notoriedade como opositor da construção do memorial do Holocausto, em Berlim. Um “memorial de vergonha”, apelidou-o o dirigente da AfD. Mesmo assim, o partido recusa os paralelos que têm sido feitos. “Estas comparações com os nazis cheiram mal”, tweetou ontem a página oficial da AfD, um partido frequentemente acusado de racismo e xenofobia.
Surpresa O estado da Turíngia, com cerca de 2,1 milhões de pessoas, fica na antiga Alemanha de Leste, onde, historicamente, o Die Linke é mais forte – mas também onde a AfD mais tem crescido. Após as eleições de outubro, o Die Linke contou com o apoio dos deputados do Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD, em alemão) e dos Verdes – mas não chegava para uma maioria.
Ainda assim, ninguém esperava a eleição do líder regional dos Democratas Livres, com 45 deputados a favor e 44 contra, esta quarta-feira: a imprensa alemão e internacional fala num “terramoto político”. Apesar do voto ser secreto, só seria possível com o apoio da CDU e da AfD – dos quais Kemmerich dependeria para passar qualquer legislação.
A situação reverteu-se, como desejava Merkel, mas ficaram visíveis as fraturas no seu partido. Os mais conservadores saudaram a eleição de Kemmerich – que, no entender de Alexander Mitsch, dirigente de linha dura do partido, mostrou que a CDU “pode ser bem sucedida sem o SPD e os Verdes” – enquanto a ala de Merkel – que aponta para uma coligação nacional com os Verdes – ficou furiosa. “Agiram contra a nossa vontade”, declarou a nova líder da CDU, Annegret Kramp-Karrenbauer, apontando críticas aos dirigentes democratas cristãos da Turíngia.