Micro linha de Metropolitano

Para já, o que existe é um primeiro-ministro a prometer uma micro linha desde 2016 que, em 2020, não tem projeto de execução viável. Para o futuro, considerando a capacidade que tem demonstrado para concretizar obras prometidas, o mais provável é a micro linha nunca se consubstanciar.

«A obra está em curso! E indemnizações aos empreiteiros?». Berra o secretário de Estado, Duarte Cordeiro, sobre a decisão do Parlamento para suspender o projeto de micro linha, pomposamente batizada Circular de Lisboa. Os deputados entreolham-se… Qual obra? Quais empreiteiros? O senhor vê caboucos, betão e construtores onde não há coisa nenhuma?

 No mundo da realidade, não existe obra, não existe contrato de adjudicação a empreiteiros e nem sequer existe um projeto de execução completo e viável para a totalidade do micro trajeto, cerca de 1900 metros entre o Rato e o Cais do Sodré. O que existe é a vontade de enterrar 260 milhões numa aventura, curta e cara, que contraria tanto um coro de especialistas como as normas urbanísticas determinadas pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, o PROTAML. 

 Os planos de ordenamento são uma espécie de ‘lei da terra’, determinando o que se pode construir em cada terreno. Uma vez aprovados, são públicos, tornando transparente o processo de valorização imobiliária inerente a qualquer transformação urbanística. Os planos seguem orientações políticas, são elaborados por equipas multidisciplinares de técnicos, revistos por inúmeras entidades, e, finalmente, sujeitos a discussão e aprovação pública. 

Em 2002, O PROTAML determinou para o núcleo central de Lisboa três hipóteses de prolongamento do metropolitano: São Sebastião-Amoreiras-Campo de Ourique; Oriente-Moscavide-Portela; e Rato-Estrela-Alcântara. Nesta ‘lei da terra’ ainda em vigor, lê-se: «…a decisão sobre as extensões futuras destas linhas deverá ser fundamentada no sistema multimodal a desenvolver no âmbito do Plano Metropolitano de Transportes. A rede de metropolitano, com uma estrutura essencialmente radial, poderá articular-se com uma rede de modos ferroviários ligeiros (…) que diversifique as ligações circulares e assegure a cobertura do território do restante núcleo central». Em síntese, a estrutura radial da rede existente promove um engarrafamento excessivo de passageiros no centro, precisamente no Cais do Sodré, sendo, por isso, indicação do PROTAML a ligação a Alcântara, para descentralizar a entrada de passageiros na cidade de Lisboa. 
 
Talvez não fosse disparatado ouvir, com humildade, os técnicos que refutam a micro linha desde que apareceu, num folheto de José Sócrates, em 2009. Talvez não fosse de ignorar que, em 2017, o PS ficou isolado em sua defesa, na Assembleia Municipal de Lisboa. Acima de tudo, e seguindo as boas regras da ‘lei da terra’, talvez não fosse desprovido de inteligência elaborar o dito Plano Metropolitano de Transportes com o rigor que uma obra de 260 milhões nos merece, sejam euros dos contribuintes portugueses, sejam euros dos contribuintes alemães. 

Esta foi a segunda vez que a maioria do Parlamento chumbou a micro linha. Apesar de já o ter feito na anterior legislatura, o Governo lançou o concurso de conceção-construção e, provavelmente, seguirá, orgulhosamente só, até chegar ao ponto onde terá mesmo de indemnizar empreiteiros. Para já, o que existe é um primeiro-ministro a prometer uma micro linha desde 2016 que, em 2020, não tem projeto de execução viável. Para o futuro, considerando a capacidade que tem demonstrado para concretizar obras prometidas, o mais provável é a micro linha nunca se consubstanciar, limitando-se a animar as fábulas criativas de governantes perdidos na monotonia prolongada dos debates parlamentares.