O que nos é ‘vendido’ nos debates está mais ligado a uma ideia de que a eutanásia é uma prática que vem diminuir ou, se quisermos, acabar com a dor. O próprio nome assim o indica: ‘boa morte’. É-nos vendida a ideia de que em determinadas condições o doente ou os familiares podem decidir terminar com as dores pedindo que seja administrada a eutanásia.
Na realidade trata-se de um problema metafísico, mais do que físico. O problema não é tanto com a física, porque fisicamente, sabemos que a vida humana é defendida e consagrada pela Constituição Portuguesa. Fisicamente é indiscutível e indubitável que haja vida humana. Objetivamente é um homem, uma mulher, que precisam de cuidados de saúde de fim de vida para que possam morrer com dignidade.
Mas o que nos faz perder essa proteção consagrada pela Constituição? O que faz com que a minha vida com saúde seja diferente da minha vida enferma? Será que quando entra o sofrimento na vida humana, ela tem menos valor para a sociedade contemporânea?
A questão discutida na filosofia moderna cruza-se com o conceito fundamental de Pessoa Humana. Há um senhor chamado Peter Singer que desenvolveu na área da ética um conceito de Ética Prática. No fundo, esse conceito de ética prática refere que poderá haver uma vida humana que é pessoa e outra que ainda não é pessoa ou que já não é pessoa, conforme as características do ser que lhe são próprias. Daqui se justifica, por exemplo o aborto, porque se retira a vida humana ao que ainda não é pessoa, ou a eutanásia, porque se retira a vida a alguém que já não é pessoa.
Este tipo de filosofia traz consigo um problema fundamental: quem é afinal o homem? Os dados empíricos da física dizem claramente que na fecundação há um ADN próprio, diverso da mãe, e que até ao momento da morte existe uma vida humana. Os nossos contemporâneos, porém, dizem que esse conceito de homem não depende dos dados físicos e biológicos pelos quais estamos condicionados, mas que são uma convenção cultural.
A partir deste conceito, não há uma definição metafísica do ser humano, mas apenas ficou convencionado que existe vida humana em determinadas situações ou que a vida humana é para ser defendida apenas em determinadas condições. Isto faz com que nem todos os seres humanos tenham a mesma dignidade, o que contraria o princípio da igualdade defendido.
Na discussão da eutanásia há dois conceitos que deveriam ser debatidos, mas que habitualmente são confundidos: a diferença entre a dor e o sofrimento. Isto é muito importante, porque a eutanásia aparece como a morte que põe fim à dor quando esta se torna insuportável. Mas há uma diferença clara entre dor e sofrimento. A dor é mensurável, é objetiva. O sofrimento é um sentimento subjetivo que não se consegue medir.
No estado evoluído da medicina há formas de controlar a dor, de fazer com que o doente não padeça das tais dores insuportáveis. A dor é sempre controlável e mitigada pelas terapias apropriadas a cada caso. Por isso, o argumento de que a eutanásia vem por fim a uma doença e às dores que lhes estão associadas não é um argumento válido.
Já a questão do sofrimento, esse não se pode medir e é esse que muitas vezes nós nos estamos a referir. O que o homem contemporâneo quer é acabar com o sofrimento, é acabar com aquela dor interior que nos faz rejeitar a realidade da doença e da nossa finitude, enquanto humanidade.
O que nos falta não são terapias, nem soluções para resolver os problemas da dor e do sofrimento. O que nos falta é mesmo o amor. Porque se apenas temos para dar a morte como resposta ao sofrimento, isto significa que há muito prescindimos de usar as características próprias do ser humano – o amor.