Desde os anos 60 que mais de 120 Governos por todo o mundo, tanto aliados como inimigos dos Estados Unidos – incluindo Portugal -, tentaram esconder os seus segredos usando equipamento de encriptação construído pela Crypto AG, sediada na Suíça. Não sabiam era que a empresa pertencia à Agência Central de Inteligência (CIA na sigla em inglês) e às secretas da Alemanha Ocidental, o Serviço Federal de Informações (BND na sigla alemã). Estas agências deixavam falhas nos serviços de encriptação ao mesmo tempo que lucravam milhões com eles: a dada altura, o esquema chegou a ser responsável pela descodificação de cerca de 40% das comunicações de Governos estrangeiros intercetadas pelos EUA, revelaram documentos internos da CIA e do BND consultados pelo Washington Post e pelo canal alemão ZDF.
“Foi o golpe de inteligência do século”, lê-se no relatório da CIA. Apesar de os dois grandes adversários dos EUA durante a Guerra Fria – União Soviética e República Popular da China – não estarem na lista de clientes da Crypto AG, Washington aprendeu muito sobre eles pelas suas interações com os países que estavam.
A Crypto AG teve apoio da Siemens e da Motorola, fez a transição de dispositivos de encriptação mecânicos para eletrónicos, resistiu às suspeitas de envolvimento alemão e norte-americano – mas foi ultrapassada pela emergência da encriptação online e liquidada em 2017. Entretanto, os norte-americanos da Agência de Segurança Nacional (NSA na sigla original) passaram a contar com outras fontes de informação, como a Microsoft, Google e Yahoo, revelou Edward Snowden em 2013, através da WikiLeaks.
É difícil não ver na Crypto AG paralelos com as suspeitas de Washington quanto à Huawei e à ZTE, ambas empresas de telecomunicações chinesas, bem como com a russa Kaspersky, que produzem software antivírus: são acusadas de deixar propositadamente fragilidades nos seus produtos – o termo informático é backdoors – para facilitar invasões.
“Huawei e ZTE são serpentes na relva, ferramentas do Governo chinês”, queixou-se o congressista Jim Banks quando apresentou um projeto-lei para proibir o uso de equipamentos destas empresas, mais a Kaspersky, em universidades norte-americanas, o ano passado: Banks temia que roubassem projetos de investigação.
Da Suíça para a CIA A Crypto AG foi fundada por Boris Hagelin, que inventou um sistema mecânico de criptografia usado por tropas aliadas na ii Guerra Mundial – era semelhante à famosa máquina Enigma, usada pelos nazis, mas menos complexo e mais portátil. Hagelin deslocou a empresa para a Suíça nos anos 50, mas fez um acordo com a CIA a troco de uma compensação monetária: só venderia as suas máquinas mais sofisticadas a alguns países aliados dos EUA, e as mais obsoletas aos restantes.
No final dos anos 60, quando a eletrónica se tornou essencial para a criptografia, a Crypto AG teve dificuldade em adaptar-se. Mesmo assim, conseguiu apresentar um novo modelo eletrónico – quase integralmente desenvolvido pela NSA, mas com falhas no algoritmo. As secretas norte-americanas viram nas dificuldades de Hagelin uma oportunidade de ouro.
A operação recebeu o nome de Thesauros e depois de Rubicão quando a CIA e o BND compraram a meias a Crypto AG, em 1970. A informação que descodificaram foi instrumental em pontos-chave do séc. xx. Por exemplo, a CIA espiou as mensagens do aiatola Ali Khomenei durante a crise dos 52 reféns da embaixada norte-americana em Teerão e descobriu que o irmão do então Presidente dos EUA, Jimmy Carter, Billy, estava a soldo do ditador líbio Muammar Kadhafi: Billy nunca foi acusado judicialmente, mas teve de se registar como agente estrangeiro.