É bonito, e sabe bem, parecer informado, ir ao café, e conseguir mandar um bitaite sobre um assunto, ainda para mais se for sobre um tema complexo, pois aí estamos perante um bitaite erudito que nos faz sentir catedráticos. A questão é que, inconscientemente, extrapolamos o limite das nossas supostas e hábeis competências técnicas para sermos comentadores pro bono de tudo o que é "tema", principalmente quando o que está em causa é o nosso mais importante Direito – a Vida e o Viver.
O debate da Eutanásia não é de hoje, mas é semelhante às cores vivas em algumas estações do ano que só viram moda de tempos em tempos. Mais uma vez, em vésperas do tema ser discutido no parlamento, eis que o país acorda novamente para esta discussão. Na introdução deste assunto, encontramos muitas vezes a primeira barreira intelectual: o assunto é de esquerda, ou de direita? De facto, tratando-se de um assunto universal como o Direito à Vida, que inclui todos aqueles que dele usufruem, o assunto… é de Todos!
É fácil encontrarmos teses demagogas que gostam de explorar a Eutanásia como uma carnificina, em que se pretende matar só porque sim. Percebo a existência destas teses em debates corriqueiros; não a entendo, porém, em quem queira, de facto, debater o seu fim. Primeiramente importa perceber o que se entende por Eutanásia, um ato intencional de proporcionar a um terceiro uma morte indolor para aliviar um sofrimento causado por uma doença incurável, ou dolorosa. A Eutanásia não é uma livre-licença para se matar, não pode ser um mecanismo para libertação de espaço e camas em corredores de um hospital, nem uma forma fácil e interesseira de acabar com a vida de um familiar. E para que seja possível olhar de forma critica para o tema devemos afastar o exemplo comum de comparação com o suicídio, ou crises temperamentais, pois ninguém está a colocar a hipótese de um desgosto amoroso, ou um despedimento no trabalho, ser causa para recorrer a este mecanismo, pelo limitador que isso seria, como a falta de conexão teleológica que haveria.
A Eutanásia deve ter sustento num direito fundamental absoluto – o Direito à Vida, onde devemos compreender como direito uma pretensão de legitimidade na adesão das vontades individuais e pretensão da vinculação a essa mesma conduta. Importa referir que não existe consagrado, em local algum, o Dever à Vida, e que torna um enorme ato de prepotência acharmos que a algum de nós cabe a legitimidade de exigir ou não que o outro tem que viver a todo o custo.
Uma sociedade progressista é uma sociedade livre, onde não deve existir espaço para dogmas, ou para o livre arbítrio de decidir pela vida do outro. Deve imperar o respeito pela vontade individual não porque fique bem dizer de vez em quando, mas porque é assim que deve ser, o que, no presente caso, se relaciona com o colocar fim de forma indolor a um determinado sofrimento amplamente reconhecido. Exigimos que o outro viva, sujeito à perda de autonomia, a um sofrimento incalculável, numa luta perdida, numa morte demorada? Com base em quê?
Não estamos a discutir sobre batatas, pelo que existe um perigo iminente se encararmos este processo de forma leviana e o reduzirmos a uma mera votação parlamentar com a relativa legitimidade que daí poderia advir. Devemos compreender a dificuldade deste tema, que nos obriga a uma reflexão individual e coletiva, para que exista tempo para que os seus processos quer transitório, quer de implementação sejam exigentes, esclarecidos, detalhados e desenvolvidos com uma base simbiótica entre a vertente médica e jurídica de forma a acautelar o máximo de riscos e evitar o máximo de abusos deste Direito. O Direito à Vida deve ser defendido e acautelado a todo o custo e cumpre ao Estado assegurar isso mesmo, quer o Direito signifique sim – quero viver e não quero morrer numa fila de espera de um hospital, por não me serem prestados os devidos cuidados, ou o contrário, em que entendo que não tenho condições razoáveis para viver tendo em conta o meu estado de saúde e o sofrimento inerente.
Tendo sido, ou não, a Eutanásia um instrumento político para viabilizar o Orçamento de Estado, não podemos abstrair-nos da importância e do impacto que esta decisão tem no quotidiano de cada um de nós, para que mais uma vez se ressuscite o tema e se discuta no parlamento sem se auscultar primeiro a opinião da população.
No meio deste meu bitaite, o mesmo tem um valor relativo que me vincula apenas a mim, que corresponde à opinião de um em dez milhões, em que dizendo respeito a um aspeto basilar na estrutura de uma sociedade, só uma opinião suportada por um referendo ("genuíno") poderá espelhar uma clara e expressa vontade de um País.
por Frederico Teixeira