Há um largo consenso sobre a necessidade de participação dos cidadãos nos processos de decisão política. Queixamo-nos do divórcio entre eleitores e eleitos, lamentamos o aumento sistemático da abstenção, acusamos a complexidade do sistema eleitoral e os mais pessimistas chegam a anunciar o fim da democracia. Andamos tão enredados em debates teóricos que esquecemos o óbvio. Promover a participação significa apenas ter a humildade de ouvir as pessoas antes, e não depois, de serem tomadas decisões.
Quem esteve, na passada quinta-feira, a ouvir o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, numa sessão de apresentação pública do Plano ZER para retirar carros da Avenida da Liberdade, Baixa e Chiado, assistiu ao vivo aos problemas de excluir a participação dos cidadãos do arranque dos planos, limitando-a à apresentação do produto final. A sessão até começou bem quando Medina anunciou que o objetivo era reduzir a poluição e as emissões de carbono. No entanto, quando arriscou que pretendia aumentar o número de residentes na Baixa de Lisboa, a plateia, cerca de duas centenas de pessoas que mal cabiam na sala, começou, espontaneamente, a rir.
Depois seguiram-se um rol de duas dezenas de intervenções de residentes, trabalhadores e comerciantes com perguntas. «Até acredito que a equipa tenha bons arquitetos e engenheiros, mas de certeza que não têm um único comerciante». Juntavam-se queixas dos que diziam que o previsto para cargas e descargas destruiria os lojistas sem armazém, acrescentando «o tempo de estaleiro, por si, pode decretar a morte dos comerciantes… foi considerada esta preocupação?». Da parte dos moradores levantava-se a dúvida existencial: «Quem é, na verdade, considerado residente?»… «E os feirantes? Como é que vão trabalhar?».. «E o tuk-tuks?».. são responsáveis por grande parte do trânsito… continuam a entrar?»… «Eu só acredito nisto quando vir a Praça de Município fechada e os senhores a ir para o trabalho de bicicleta»…«Pensou nas pessoas de Lisboa?… É que o senhor é do Porto…e é preciso gostar de uma cidade».
Incrédulo por não estar a receber uma ovação perante o objetivo de reduzir a poluição, e incomodado por uma obra, aparentemente fácil, encontrar tanta resistência, Medina lá foi dizendo que tudo iria ser considerado na proposta final, tomando consciência que a probabilidade de cumprir a agenda anunciada estaria cada vez mais distante. Para o fim, perante tanta indignação popular, rematou «vamos inverter os sentidos das laterais da Avenida para aquilo que eram antes de nós os termos trocado… pelo menos com isso, até os maiores críticos do Plano têm de concordar».
Aqui chegados, é preciso olhar para o detalhe do Plano, além das fotomontagens que circulam, com rigor, bom senso e ponderação. Devem ser ponderadas as necessidades das pessoas, corrigidas questões técnicas, e salvaguardado o valor patrimonial da Avenida da Liberdade, aparentemente transformada numa gigantesca rotunda a sul. Por agora, o alerta é simples. Elaborar um plano para a cidade sem ouvir, antes, quem nela vive é como costurar um fato à medida desconhecendo, por completo, as dimensões físicas de quem o vai vestir. O fato até pode parecer bonito no cabide, mas a probabilidade de lhe servir na justa medida é ZERo.