Já a formiga tem catarro

Em pequeninos, até quando dão ordens têm piada e toda a gente se ri da sua personalidade forte. Mas é precisamente aí que começam a testar os limites

Já lá vai o tempo em que os pais é que mandavam. Em que tinham os seus programas e os filhos apanhavam secas de meia-noite em sítios onde não queriam ir, com quem não queriam estar, sem nada para fazer. Em que os mais pequenos tinham de se sujeitar a ver na televisão o que havia, a comer o que não queriam, a vestir às vezes o que não gostavam, a inventar coisas para fazer, sem grande direito de escolha. Hoje funciona tudo ao contrário. Quase tudo é feito em função dos filhos. Os programas dos pais ficam muitas vezes suspensos, bem como as suas vidas, para atender aos desejos e à vida social dos mais novos. Onde se incluem os mais variados eventos ao fim-de-semana e durante a semana: entre parques, espetáculos, torneios, saraus, treinos, encontros ou festas.

Se antigamente as crianças eram pouco ouvidas, hoje não deixam que os pais ouçam muito mais do que a sua vontade.

É logo em bebés que começam a ser os filhos quem realmente manda lá em casa: ‘Não lhe posso pôr o soro porque ele não quer’, ‘não lhe consigo cortar as unhas porque ele não gosta’, ‘não posso sair porque são horas da sesta’. Depois vão crescendo e avançando – e os pais, com a melhor das intenções, sempre a recuar. Até ao dia em que se veem encurralados pelos planos dos mais novos e impossibilitados de fazer os seus. Nesse momento em que já está tudo instalado é difícil redefinir regras e prioridades. E algumas crianças vão crescendo a acreditar que são donas do mundo.

Que não há muita diferença entre elas e os adultos. Que estão cheias de direitos e têm pouco deveres. Começam a surgir situações em que são mal educadas na escola, na rua, com adultos ou colegas. E os pais embalados nesta ditadura chegam a pedir e ajustar contas com os professores, outros pais ou crianças sempre que as coisas não correm de feição para o filho.

É muito engraçado fazer as vontades aos filhos e vê-los felizes. Quando são pequeninos até quando dão uma ordem têm piada e toda a gente se ri da sua personalidade forte. Mas é precisamente nessa altura que começam a testar os seus limites, a descobrir até onde podem ir e até onde podem ser eles a mandar. E é nesta altura também que devem perceber que podem ter o que querem muitas vezes ou quando é possível, mas nem sempre. Que também podem fazer escolhas e sugestões, que podem e devem ser ouvidos, mas que há uma hierarquia de autoridade em que eles não estão no topo.

Que numa família todos têm o seu papel, os seus desejos, as suas prioridades e que não são sempre os mesmos que ficam a ganhar, que nem sempre se pode ter o que se deseja. Que às vezes a felicidade de um depende do esforço do outro e que todos têm se de esforçar e por vezes de abdicar do que querem para contribuir para a felicidade dos outros. Uma criança que cresce a sentir que é ela quem manda, cresce sozinha e não só perde a segurança dos pais como o respeito pelos outros.