Michael Bloomberg, o Donald Trump democrata

Como o Presidente dos EUA, o oitavo homem mais rico do mundo faz campanha invocando independência dos grandes interesses. Mais de 400 milhões de dólares investidos por si na sua campanha, desde novembro, garantem ao candidato o segundo lugar nas sondagens nacionais.

É a oitava pessoa mais rica do mundo, segundo a lista da Forbes de 2019. É o acionista maioritário (88%) e CEO da empresa com o seu nome: Bloomberg L.P., uma companhia financeira, de software, comunicação social e análise de dados. Foi mayor de Nova Iorque por mais de uma década (2001-2013), a maior parte do tempo como independente. Mas as suas lealdades políticas dependem dos contextos, e menos de princípios ideológicos: tanto já esteve registado no Partido Democrata (duas vezes), como no Partido Republicano. Tem 78 anos, e a sua carreira política e empresarial está recheada de várias posições e declarações polémicas, tanto racistas como sexistas. Eis Michael Bloomberg, o homem que está a tentar comprar a nomeação presidencial democrata.

O multimilionário já gastou uns impressionantes 408 milhões de dólares desde que anunciou a sua candidatura – bem depois de todos os outros concorrentes – em novembro, números sem precedentes e apenas menos 65 milhões do que Donald Trump despendeu durante toda a sua campanha presidencial de 2016, segundo o Financial Times. E aposta todas as suas fichas na «super terça-feira», onde serão disputados quase 1400 delegados (dos mais de 4 mil). De um momento para o outro, os ecrãs norte-americanos foram inundados com campanhas publicitárias da candidatura de Bloomberg, incluindo durante o Superbowl, onde gastou 10 milhões de dólares num anúncio de 60 segundos. 

Com os rios de dólares com que conta nos seus bolsos, Bloomberg já apresentou anúncios televisivos em cerca de 30 estados, inflacionando o preço destes para os outros candidatos. E conseguiu montar um exército de milhares de pessoas prontas para lutarem fervorosamente pela sua nomeação: a sua campanha tem mais de 125 escritórios espalhados por todo o país, segundo o New York Times, e para alguns cargos da sua campanha, oferece mais do dobro do salário médio auferido por pessoas com o mesmo cargo, mas que trabalham para os outros candidatos, diz o Intercept.

Também lançou uma ampla campanha de memes para captar o eleitorado millennial, usando a conta de pelo menos 19 influencers nas redes sociais, cuja audiência conjunta chega aos 60 milhões de seguidores, informa o New York Times. E quem diz que o dinheiro não compra tudo? Em dezembro, a sondagem da NPR/PBS NewsHour/Marist dava-lhe 4% das intenções de voto a nível nacional. Na terça-feira, a sondagem realizada pelo mesmo grupo, catapultou Bloomberg para o segundo lugar, com 19% das intenções de voto, atrás do senador do Vermont Bernie Sanders. Com isto, roubou a liderança do campo moderado, destronando candidatos como Joe Biden, que na prática concorre para Presidente desde a eleição de Trump. 

Além de auto financiar a sua campanha, Bloomberg parece adotar uma estratégia de comunicação semelhante à de Trump em 2016, invocando não representar grandes interesses. E fá-lo com uma postura nas redes sociais em alguns aspetos idêntica à do chefe da Casa Branca, fugindo da linguagem com que se tradicionalmente comunica com o eleitorado, conseguindo pôr o seu nome nas bocas do país inteiro.

E qual a melhor maneira de o fazer? Captar a atenção de Trump – fazendo-o tweetar sobre ele furiosamente – e fazer das presidenciais uma luta entre multimilionários, muitas vezes fervida de masculinidade – um que herdou a sua fortuna, Trump, e o self made man, muito apelativo para o imaginário do sonho americano, Bloomberg. «Donald Trump: conhecemos muitas das mesmas pessoas em Nova Iorque. Pelas tuas costas, elas riem-se de ti e chamam-te um palhaço carnavalesco», atacou Bloomberg na sua conta do Twitter. «Sabem que herdaste a tua fortuna e que a desperdiçaste com negócios estúpidos e incompetência». Exímio a atribuir alcunhas aos seus adversários, Trump também já tem uma para Bloomberg: «Mini Mike [Pequeno Mike]»

De facto, Bloomberg e Trump em tempos fizeram parte dos mesmos círculos da elite nova-iorquina – e não há assim tanto tempo. A animosidade com que hoje falam um do outro não faz justiça à sua longa história de amizade. «Tenho que dizer que tens sido um grande mayor», afirmou Trump em 2013, referindo-se a Bloomberg, num evento em Nova Iorque que inaugurava um campo de golfe no Bronx construído pelo magnata do imobiliário. «Se há alguém que mudou esta cidade, foi Donald Trump. Ele tem feito coisas realmente fantásticas e esta é uma delas», retribuiu o então mayor o elogio, no mesmo evento. 

No caso de Bloomberg ganhar a nomeação presidencial, e dada a natureza com que gere as suas campanhas, alguns analistas temem que as eleições se tornem num autêntico circo de batalha pessoal entre os dois multimilionários de Manhattan. «Acho que uma batalha frente a frente entre Mike Bloomberg e Donald Trump será mais sórdida do que qualquer coisa que tenhamos visto, talvez, nos últimos 100 anos. Estas duas pessoas não têm medo de lutar. E não têm medo de lutar de uma forma muito pessoal», apontou Michael D’Antonio à CNN, autor do livro The Truth About Trump.

 

Esqueletos sexistas e racistas

Mas Bloomberg não terá que responder apenas sobre a sua antiga amizade com o polémico ocupante da Casa Branca. O ex-presidente da câmara tem um longo historial de política sexista, na sua empresa, e racista, quando comandava os destinos do maior centro financeiro do mundo. Foi durante a a sua jornada como presidente da câmara que a política conhecida como «stop and frisk» (parar e revistar) atingiu o auge em Nova Iorque. A stop and frisk é uma prática do Departamento da Polícia de Nova Iorque (comummente conhecida como NYPD) de detenção temporária, na rua, de civis suspeitos de estarem envolvidos em algum tipo de atividade criminal: na posse de uma arma ou de tráfico destas, por exemplo. Alimentada pelos ataques terroristas do 11 de Setembro, além da detenção, a polícia tem autoridade para questionar e revistar os cidadãos suspeitos.

Entre 2002 e 2013, estima-se que os agentes da polícia de Nova Iorque pararam suspeitos na rua pelo menos cinco milhões de vezes. Quando Bloomberg chegou à câmara da cidade, os agentes de autoridade pararam alegados suspeitos 97 296 vezes. Em 2011, a prática sofre um aumento exponencial, em comparação, de mais de 700% (685 724). E o problema é que a stop and frisk tem esmagadoramente como alvo jovens latinos e afro-americanos, tornando-se um dos símbolos da violência policial racista nos EUA. Por exemplo, a juíza Shira A. Scheindlin notou que em 2,3 milhões de detenções temporárias realizadas pela polícia, foram encontradas armas apenas 1,5% das vezes. Segundo a juíza, mais de metade das pessoas que foram detidas eram afro-americanas, um terço de origem latina e apenas 10% eram brancas.

Bloomberg sempre defendeu a política, argumentando que esta se focava em suspeitos com «movimentos furtivos» em áreas com «elevadas taxas criminalidade». Ciente que a prática lhe poderia causar alguns problemas durante a campanha, em novembro, aconselhado pela sua equipa, o ex-mayor pediu desculpa pela política ter tido como alvo jovens negros e latinos. No dia 11 de fevereiro, publicou um comunicado no seu site de campanha a argumentar que tinha «herdado» a controversa prática e que a cortou em «95%». Mas num áudio divulgado este mês, ouve-se Bloomberg, numa conferência em 2015, a defender a política discriminatória e que a discriminação, neste caso, fazia sentido. «Podes simplesmente pegar na descrição [dos suspeitos], copiá-la, e passá-la a todos os polícias», começou por dizer o multimilionário. «São homens, de minorias, entre os 16 e os 25. Isso é verdade em Nova Iorque; isso é verdade em quase todas as cidades». 

Como em muitas empresas, Bloomberg obriga parte dos trabalhadores a não divulgarem quaisquer informações sobre a sua campanha, assinando contratos de confidencialidade. No final de janeiro, um desses contratos foi obtido pelo The Nation, causando polémica entre as hostes democratas. Ou seja, o documento era amplo o suficiente para proibir os seus trabalhadores de revelarem alegados assédios sexuais, discriminações de género e raciais. «Isto vai muito além, e de forma mais profunda, do que qualquer outra coisa que tenha visto e levanta algumas questões», criticou ao The Nation Jordan Libowitz, porta-voz do grupo apartidário Cidadãos pela Responsabilidade e Ética em Washington, desenhando um paralelo com empresas como a Google e o Facebook. «Parece-me fora das linhas de como uma campanha tende a agir».

As alegações de haver um ambiente de discriminação de género na sua empresa têm saltado para a arena mediática nos últimos tempos, inclusive de companheiras de trabalhadores da sua empresa, que por sua vez, não têm qualquer ligação à Bloomberg LP.. Aliás, esta prática foi central no debate democrata da última quarta-feira, onde Bloomberg foi claramente um alvo a abater por parte dos outros candidatos. Uma adversária de Bloomberg, a senadora do Massachusetts Elizabeth Warren, acusou o multimilionário de ter obrigado uma série de mulheres a assinarem contratos de confidencialidade por alegados assédios sexuais ou ainda por terem sido vítimas de discriminação de género na sua empresa. E desafiou Bloomberg a retirá-las do sigilo. O multimilionário respondeu que a sua empresa estava bem classificada como um local de trabalho seguro para mulheres e notou que muitas tinham cargos de direção. Mas recusou-se a libertá-las dos contratos de confidencialidade.