Laura Ferreira. Uma força serena

A mulher do antigo primeiro-ministro não resistiu ao cancro que há mais de cinco anos a atormentava. Laura Ferreira morreu aos 54 anos, deixando duas filhas.

“Primou, na sociedade, pela empatia humana. E pela mais presente das discrições”. As palavras são de Paulo Rangel, o eurodeputado social-democrata. E a mais “presente das discrições” é, porventura, uma das expressões que melhor define a presença serena de Laura Ferreira durante o período mais público da sua vida: aquele em que acompanhou o marido, Pedro Passos Coelho, enquanto este foi primeiro-ministro do país. Há cerca de cinco anos que Laura Ferreira se debatia com um cancro que, depois de uma recaída em 2017, acabaria por lhe levar a vida. Morreu na madrugada de segunda para terça-feira, no Instituto Português de Oncologia (IPO), onde se encontrava internada. Tinha 54 anos.

Rompendo com a reserva familiar em que se costumava escudar, Pedro Passos Coelho tinha confirmado em janeiro de 2015, numa altura em que ainda era primeiro-ministro, a doença da mulher. “Como se tornou do conhecimento público recentemente, e para evitar mais especulações sobre este assunto, confirmo que foi diagnosticado à minha mulher, Laura Ferreira, um problema do foro oncológico que está a ser devidamente acompanhado”, dizia numa nota enviada à Lusa. O problema do foro oncológico, diagnosticado no verão anterior, era uma osteossarcoma, tumor ósseo agressivo nos ossos, que seria removido após algumas sessões de quimioterapia no início de 2015. 

Em julho desse ano, Laura Ferreira acompanhou o marido durante uma visita oficial a Cabo Verde, um país que acarinhava particularmente uma vez que ali residira em jovem, e também à Guiné-Bissau, onde nascera, assumindo a cabeça despida – e nem mesmo a mudança imposta pela doença lhe retirou a sobriedade tranquila que lhe era característica. A Visão, que na altura lhe traçou um largo perfil, refere que foi o próprio Passos Coelho a rapar-lhe a cabeça, mas nessa altura Laura Ferreira não falou publicamente sobre a doença. Também o então primeiro-ministro, embora não escondesse o tema cancro, também resguardava a mulher o mais possível.

 Poucos meses depois, a reviravolta das legislativas de 2015 acabariam por ditar o afastamento de Pedro Passos Coelho, e Laura abriu o jogo, comentando que era bom ter o marido “de volta”. Foi aí que falou abertamente do seu estado de saúde. “Tenho muita esperança que sim, que esteja melhor, e penso que isso é fundamental. Mantermos a positividade e rodearmo-nos de pessoas que gostam de nós, a família e os amigos são fundamentais”, dizia. “Aproveito para deixar um voto de esperança a todas as pessoas que estejam a passar por momentos mais complicados. Desistir nunca é solução. Devemos apoiar-nos sempre em quem nos ama”.

A partir daí, Passos Coelho não aceitou mais nenhum cargo político e ficou-se pela docência, aproveitando a vida profissional mais folgada para acompanhar, como o próprio nunca escondeu, os próximos passos da mulher. O cancro não deu tréguas e voltou em força em 2017. Laura Ferreira esteve internada no IPO e no Amadora-Sintra nos últimos meses, conseguindo uma licença para ir passar o Natal do ano passado a casa. De volta ao IPO, acabou por não resistir à doença.

 

De Bissau a Massamá Laura Maria Garcês Ferreira nasceu na Guiné-Bissau, em 1966, mas durante a sua juventude viveu também em Mindelo, S. Vicente, em Cabo Verde. A família mudou-se para Coimbra em 1978, e depois para o Cacém. Chegou a entrar em Medicina mas acabou por tirar o curso de Fisioterapia e já trabalhava no Centro de Educação para o Cidadão Deficiente, em Mira-Sintra – posto que manteve mesmo depois da eleição do marido – quando conheceu Pedro Passos Coelho. 

Casaram em 2004, e viviam ambos em Massamá. Tiveram uma filha, Júlia, que nasceu quando Laura tinha 42 anos e se veio juntar a Teresa, do primeiro casamento de Laura (Passos Coelho já tinha também duas filhas, Joana e Catarina, nascidas da união anterior do antigo primeiro-ministro a Fátima Padinha).

“A nossa vida nunca foi fácil, tivemos sempre de trabalhar muito, porque as coisas que temos foram compradas a custo. Não temos nada que nos fosse dado de mão beijada. Tudo o que temos é nosso, mas foi conquistado com muita luta. É também por isso que somos tão unidos”, dizia a própria na biografia autorizada do marido, Somos o que escolhemos Ser, publicada em 2015. O livro assinado pela então assessora do grupo parlamentar do PSD, Sofia Aureliano, dedica um capítulo inteiro a Laura, e é a publicação que mais detalha a vida do casal e a forma como o cancro se foi imiscuindo nos dias de ambos. Mesmo enquanto se manteve em funções, Passos Coelho conseguiu, entre as brechas da agenda apertada, estar sempre presente nos internamentos. “Venha de onde vier”, contava a própria Laura Ferreira. “Depois vai para casa para jantar com as filhas”, dizia. “Este é o coração mole por detrás da casca dura”.

Segundo conta Aureliano, Pedro e Laura eram os dois recém-divorciados quando se cruzaram no Algarve, em Olhos de Água, em casa de um primo do cunhado de Laura que por sua vez era amigo de Passos Coelho. Depois de casados, Laura acompanhou as ambições políticas do marido, mas não as trouxe para si própria. E escolhia a dedo as ocasiões em que aparecia publicamente ao lado do marido, além de privilegiar os eventos solidários – fruto também do seu percurso profissional, visto que trabalhava numa cooperativa social sem fins lucrativos.

Depois de lhe ter sido diagnosticado o cancro, encurtou as visitas – o facto de ter ainda ido à Guiné-Bissau e a Cabo Verde prendeu-se com a vontade de regressar àquelas que também tinham sido as suas casas. Ainda assim, não via as viagens como uma despedida, visto que se traçou para si própria a meta de lutar contra a doença. “Tenho muito medo de morrer, mas depois há um lado que se levanta e diz: ‘Não, tens o teu marido, tens as tuas filhas e a tua família!’ Eu tenho de viver, tenho tanta coisa para fazer”, dizia na já citada biografia do antigo líder do PSD.

Laura foi a última pessoa a ser entrevistada para o livro, contou, na altura, Sofia Aureliano ao i. “Ela queria muito contribuir com este testemunho”, afirmou a autora, dizendo que a contribuição tinha sido alheia à vontade do marido, que preferia que o estado clínico se mantivesse na esfera privada, assim como tudo o que à vida familiar dizia respeito – uma preferência que o próprio não escondia e que tentava replicar. “Esforço-me por deixar a política fora de casa”, dizia Passos ao SOL em junho de 2015, numa das suas últimas grandes entrevistas enquanto primeiro-ministro, e na qual optou por não falar da doença de Laura.

 

Reações Hoje, após ter sido conhecida a notícia da sua partida, as manifestações de pesar sucederam-se. Marcelo deixou uma nota na página da Presidência da República endereçando a Pedro Passos Coelho “as mais sentidas e amigas condolências neste momento de enorme perda da sua mulher, alguém que deixou um traço de humanidade e serviço comunitário na sociedade portuguesa”.

Já António Costa recorreu ao Twitter para prestar a sua homenagem. “Todo o país acompanhou, solidário, o combate que Laura Ferreira travou contra a doença e a sua enorme demonstração de perseverança e resiliência”, escreveu o primeiro-ministro, acrescentando: “este momento de dor, em que se despede da sua mulher, quero expressar a Pedro Passos Coelho as minhas sinceras condolências”.

Rui Rio reagiu também no Twitter, deixando ao seu antecessor um “abraço solidário” e a sua “homenagem pela forma dedicada, solidária e amiga como sempre” acompanhou a mulher, isto já depois de da direção do PSD ter divulgado uma nota de pesar, lembrando que Laura era uma “figura muito acarinhada por toda a família social-democrata”.

O velório realiza-se amanhã no Centro Funerário de Cascais, em Alcabideche, a partir das 19h00.